9.7.02

Jeitinho Brasileiro


Existem atitudes ruins no mundo. Não tenho - ninguém tem - moral para classificar nada como certo ou errado. Mas posso, sim, baseado em história e em senso comum, basear em bom ou ruim. Não bom ou ruim para mim, isso é fácil de classificar. Mas existem coisas boas e ruins de maneira geral.

Dentre essas coisas ruins de maneira geral, existem as óbvias. Tortura, assassinato, estupro, roubo... todas essas coisas que você pode claramente, em duas ou três frases, explicar de maneira decisiva por que são coisas ruins. Mas existem outras que não são tão óbvias. Partem de um raciocínio que está 90% correto, mas cuja falácia ocorre lá atrás em tempos imemoriais, de modo que não é tão fácil argumentar contra. Vocês provavelmente conhecem, aquele tipo de pensamento que você *sabe* que está totalmente torto, mas não saberia argumentar contra. Isso acontece muito com discursos políticos de chapas estudantis "profissionais" (aquelas das quais geralmente fazem parte os caras com a matrícula mais jurássica da instituição), por exemplo. Os políticos fora da faculdade já aprenderam a mascarar até mesmo aquela falácia que te dá a sensação de algo errado, mas não é disso que eu quero falar hoje.

Não tem nada mais odioso do que alguém que quer tirar vantagem em tudo! O típico brasileiro da lei de Gerson! Esse ser horripilante que vomita sua atitude do alto de uma arrogância imperiosa, de quem tem certeza de que está agindo da maneira mais correta do mundo.

Explico: Os ônibus do Rio de Janeiro, ao contrário da maioria dos outros estados, têm a entrada na parte traseira e a saída na dianteira. do lado do motorista. Mas recentemente isso começou a mudar. Alguns ônibus novos que estão circulando por aqui inverteram o sentido da entrada e da saída. E nesses ônibus, a roleta fica mais para o meio do corredor, já depois de duas ou três fileiras de assentos da parte da frente, que são reservadas para os idosos e deficientes - ao contrário dos ônibus comuns, que têm a roleta já de cara para a entrada. Pois bem, foi um desses ônibus que eu peguei para voltar para casa. Estava achando engraçado, porque obviamente o assunto da viagem era a entrada trocada. Todo mundo que ia subir, a despeito dos adesivos enormes escritos "entrada pela frente" colados na frente do ônibus, fatalmente ia dar com o nariz na porta de trás antes de perceber. E entrava, é claro, comentando a novidade com o motorista.

Lá pelas tantas, subiu uma mulher com duas filhas de uns 8, 9 anos de idade. Depois de passar na roleta, a mulher começou a comentar com a cobradora: "Ah, agora tem cadeira atrás da roleta? Que legal! Eu não vou mais passar roleta, vou subir ficar lá e sair sem pagar!". Assim, na cara dura. Claro que a cobradora abriu aquele olhão, e comentou meio baixinho que era contra a lei e que não podia fazer isso, mas a mulher com aquele ar de razão, foi logo dizendo "eu pego esse ônibus todo dia. Eu gasto o maior dinheiro com ônibus. Então, quanto menos eu puder pagar, menos eu vou pagar, é lógico.". E não bastando ser escrota desse jeito, a mulher ainda foi para aonde as filhas tinham se sentado e começou a INSTRUIR as meninas para dar calote nos ônibus!

Primeiro de tudo, eu quero dizer que não sou nenhum defensor da ordem capitalista. Não sou contratado por empresa de ônibus para fazer campanha. Também não sou hipócrita. Tenho muita coisa pirateada em casa e admito. Mp3 mesmo eu tenho um monte. Mas eu também tenho critérios.

No caso de mp3, por exemplo, eu tenho consciência de que não estou lesando o artista de maneira nenhuma. Não vou nem dizer que "as músicas que eu gosto eu compro o CD", porque verdade seja dita, não compro. Mas e daí? O lucro do artista por cópia de CD vendida é ridículo. Menos de 1 cent (de um CD que custa uns $20, sendo que só $0,30 disso é para pagar o disco). O que acontece é que com a mp3, ficou mais fácil vasculhar o mar de porcaria que tem por aí para achar alguém que preste. E esse alguém, eu divulgo, fico tiete, vou nos shows (que nesses sim há uma divisão mais justa dos lucros, e geralmente, se há fracasso, quem se ferra é o organizador), e etc. Mp3 são uma bênção para os artistas. As gravadoras é que odeiam, porque a mp3 ameaça a própria razão de existência delas. Mas e daí? Encontrem outro ramo de trabalho, ora essa. Com softwares, jogos, etc, a lógica é bem parecida.

Agora, com ônibus não. A não ser que houvessem pontos da cidade em que fosse ESTRITAMENTE impossível se chegar de qualquer outra maneira que não de ônibus, o ônibus é uma prestação de serviço que deve ser tratada como tal. Sem entrar no mérito da medida justa dos preços, ele tem que ter um preço, que é o preço que paga o salário do motorista que te leva e te traz, que paga o conforto do assento, que paga a disponibilidade de carros circulando. Qual é a ideologia que aquela mulher imbecil ostenta para deixar de pagar? E, devo esclarecer, não era uma mulher de classe pobre, não. Ainda se fosse, eu diria que ela tem lá sua razão. Mas era uma mulher enorme de obesa, com roupas de executiva, e duas filhas com uniforme de escola particular. E ainda assim, ela ficou chorando miséria com a maior das petulâncias para a coitada da cobradora, essa sim uma pessoa simples, que ficou sem resposta. Por causa daquilo que eu disse no começo do texto, é difícil argumentar contra esses textos baseados em falácias. Difícil, mas não impossível. E deixe-me esclarecer aqui o meu ponto:

Se ela trabalha, tem condições de vida ainda que apertadas, se tem renda, então é dever dela pagar pelo serviço de transporte! Eu tenho muito menos grana do que ela, e pago! Não querer pagar é botar o precioso dinheirinho dela acima de outros valores. Gente como essa mulher não se preocupa em expandir a realização da consequência de seus atos. Para eles, o que interessa é o micro-universo imediatamente adjacente a eles. Suas casas, seus carros, seu dinheiro, seus filhos, seus parentes. O resto que se arrume, pois não é problema deles. Só que as mesmas pessoas que pensam assim, enchem a boca para falar que os políticos são corruptos, que os donos de empresas cobram preços abusivos, que os patrões exigem tudo e mais um pouco sem dar nada em troca. Qual é a moral que eles pensam que têm para reclamar, se eles têm a mesma atitude? Eu acho que é recalque, é inveja de não serem eles a estar lá tirando vantagem, porque muito embora eles tenham esse pensamento "vencedor", ainda são uns pouca-merdas na vida.

Agora, o pior de tudo é perpetrar essa mentalidade escrota nas crianças. A mulher falando aquele monte de merda pras filhas - que ainda perguntaram se era certo mesmo aquele absurdo, com inocência infantil. É claro que a mãe emendou um discurso com voz de autoridade sobre como era justo e correto se aproveitar da situação para economizar. Que ódio, cara! Deu vontade de fazer que nem cachorro, que bate com jornal no focinho quando faz coisa errada. Queria pegar a apostila de Cálculo que eu tava lendo, enrolar e dar na fuça daquela toupeira, pra ver se ela se tocava da porcaria que ela tava falando. E ainda ensinando pros filhos. Isso é quase tão criminoso quanto roubo, estupro ou assassinato. A educação ruim deliberada.

Enfim, é triste. Mas é cultural, também, o que agrava a praga. Quase todo mundo foi ensinado a ser assim. Deve ter muita gente que lê esse blog, que pensa assim também, infelizmente. Para todas essas pessoas... considerem-se estapeados no focinho.



Wind

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