4.4.07

Eu não gosto de Big Brother.

Sim, setenta anos depois, eu posto de novo pra dizer isso. Ha ha, que hilário! Mas a verdade é que "não gostar de Big Brother" foi um motivo forte o suficiente para atiçar meu hiperfoco e me fazer querer passar por todo o outrossim maçante processo de escrever um post de blog. Vá entender os DDA's! O que interessa é que eu não gosto. Cadê meus óculos?

Pronto. Eu costumo explicar pra quem pergunta (e pra quem toma ofensa pessoal no fato de eu não gostar de um programa popular) que eu não gosto de Big Brother porque é um jogo ruim. Eu estudo design de jogos, e mesmo longe de me considerar um expert, posso dizer com relativa autoridade que é mal-construído. As regras não são amarradas, os "jogadores" têm muito pouco controle sobre suas estratégias, e quando eles começam a ter material suficiente para avaliar a eficiência de seus métodos, o jogo já está praticamente decidido. A participação do público em reality shows é um anti-clímax pra mim. É muito aleatório, mesmo que pareça previsível. E pra piorar, entre o jogador e o público que ele precisa cativar para vencer, tem um diretor e uma equipe de edição filtrando absolutamente tudo. E eles também querem vencer, ou seja, querem manter a audiência a qualquer custo. É como saber que, em um jogo de poker, o crupiê olha as cartas e embaralha na ordem que quiser antes de distribuir aos jogadores, e que ele apostou no resultado! Não tem credibilidade, ritmo nem dinâmica. Francamente, o que gera o ibope é a curiosidade natural do ser humano e a necessidade de comentar o comportamento alheio. É por isso que o programa se safa mesmo com regras meia-boca e uma estrutura fundalmentalmente falha. Fossem só um tanto de pessoas vivendo dentro de uma jaula no zoológico, sem regras, sem um "jogo" como metáfora, faria o exato mesmo sucesso. Por isso eu fico muito puto quando alguém vem pra mim dizer que assiste BBB porque "é um jogo muito interessante" e "as estratégias dos participantes são muito inteligentes". Façam-me o favor!

Mas esse post não era pra eternizar em texto o que eu já falo normalmente em qualquer mesa de bar onde surge o assunto. O que me motivou a escrever isso é uma verdade que eu não admito facilmente: eu não gosto de Big Brother por outros motivos. Afinal, um jogo ruim é só um jogo ruim, gera no máximo o desinteresse. O que me gera incômodo no Big Brother é o fato do programa seduzir o telespectador - eu, inclusive - pelos motivos errados. Apelando para instintos primordiais, como as propagandas que usam sexualidade implícita (ou explícita!) para chamar a atenção. E chamam. Não tem como evitar. Mas não tem como não se sentir manipulado por uma fórmula barata, não se sentir tapeado por um subterfúgio biológico. Da mesma forma que propagandas de cerveja povoadas de bundas e peitos lentamente vão alimentando uma necessidade hormonal de ter aquilo tudo, de ter todos os prazeres carnais que aparentemente todo mundo que bebe aquela joça está experimentando diariamente enquanto você se contenta com o pouco que tem (mesmo quando é um muito), reality shows que trazem fama e fortuna a Zés Ninguéns aleatórios, essa praga que infesta a mídia de entretenimento mundial, lentamente vão bombardeando aquele lado egocêntrico da mente que todo mundo enterra quando amadurece. Capitalizam em cima da necessidade que temos quando crianças de sermos o centro do mundo, recebermos todas as atenções, termos toda a importância. Ao vermos tantas pessoas repentinamente tornando-se o foco das atenções e assuntos de um país inteiro, por absolutamente mérito NENHUM, todos nós fantasiamos com a nossa vez... com o que faríamos quando o mundo estivesse nos vendo, nos ouvindo, seguindo cada passo. Que "estratégia" usaríamos para jogar o jogo da popularidade.

Claro que pra muita gente isso não é incômodo. Umbigocentrismo só é ruim pra quem não é o dono do umbigo, certo? O problema é que, quando se é criado -- como eu fui -- para levar sempre em conta o mundo ao seu redor, para sempre se colocar na pele do outro antes de tomar qualquer atitude que possa afetá-lo, para botar o coletivo acima do individual; para gente como eu, essa incitação obscena do ego é um problema muito sério. E no meu caso específico é ainda pior! Desde pequeno, sempre tive uma necessidade mordaz de atenção e aceitação. Há muito tempo desisti de ignorar esses impulsos e passei a tentar apenas gerenciá-los para que nunca passassem por cima dos meus valores morais. Arrumei válvulas de escape inofensivas - dançar em pontos de evidência nas baladas, ser a pessoa extrovertida e engraçada da mesa do bar, contar minhas histórias mais escabrosas sem o menor pudor nas rodas de amigos, arrumar publicamente discussões fáceis de "vencer" na internet... qualquer oportunidade de estar em voga, contanto que não pareça intencional ou artificial, eu agarro. Valorizo minhas habilidades e mais ainda minhas fraquezas. Tudo isso me faz bem e massageia meu ego sem fundo, mas nunca satisfaz totalmente.

Quando há quase 4 anos eu conheci a Jô, descobri a sensação de ser o centro indisputado das atenções de alguém outra vez (coisa que eu não era desde que minha irmã nasceu, quando eu tinha pouco menos de 2 anos de idade). Achei que seria o suficiente, e por muito tempo foi mesmo. Me sentia completo. Mas, vez ou outra, ainda surgia um vazio, uma necessidade de mais. Mais atenção, mais evidência, mais tudo. E isso sempre me deixou mal, tanto por não poder ter o que o impulso fisiológico deseja, quanto por não ser capaz de estar realmente satisfeito com o que tenho - que não é pouco. E é exatamente isso que me incomoda, de revirar o estômago, nos Big Brothers da vida. Eu não preciso de um produto comercial bombardeando minhas fraquezas diariamente pra me fazer consumir algo que não vai saciar a sede que provoca. Beber cerveja não mata a vontade de comer mulher que a propaganda incita. Assistir Big Brother não mata a vontade de participar de um, ou de outro reality show, ou de qualquer evento no qual os olhos do planeta se virariam na minha direção. Então que diabos?!

Eu realmente gostaria que em algum momento da história da humanidade, surgisse uma lei mundial que impedisse qualquer entidade de capitalizar em cima das vulnerabilidades universais do ser humano, especialmente com fins fúteis. A cada geração que passa, as pessoas se tornam mais neuróticas de tanto serem ensinadas a desejar coisas que não existem. Acabam ficando infelizes com qualquer realidade, porque foram condicionadas a esperar uma ficção. Já estamos cercados de pessoas que não sabem amar e se relacionar, tudo que o mundo menos precisa é de gente que também não sabe compartilhar e viver em sociedade.

Óbvio que eu queria que todo mundo lesse esse post e comentasse. Mais do que por desabafo, no fundo, foi por isso que eu escrevi. É foda!