31.8.01

Hoje em edição especial eu venho incompleto. Mandei o Rafael dormir mais cedo, sem jantar, por ter sido malcriado. E uma vez que eu, Windblow, tenho poucas chances como essa de me expressar na pura condição de máscara, vou aproveitar para fazer um pequeno discurso que puxa a brasa para minha sardinha. Mas, ora sejamos francos, qualquer discurso puxa a brasa para a sardinha de ALGUÉM. E eu sempre tive uma ou duas coisinhas interessantes a dizer sobre nós, máscaras, e nosso significado para a sociedade.


Antes de qualquer coisa, vamos redefinir "máscara". Uma máscara, o objeto físico, é um pedaço de pano, cartão ou madeira, usado para ocultar o rosto da pessoa e colocar por cima uma expressão fabricada, artificial. Bem, nós "máscaras", entre aspas, estamos longe de sermos artificiais ou fabricadas. Somos mais como um filtro. O que mostramos não é falso. Ninguém usa um arquétipo social mais do que levemente diferente do que é por dentro. Ninguém finge ser o que não é, pois isso fatalmente seria um charlatanismo de fácil detecção exceto entre pessoas que realmente sabem representar. Não, as pessoas FILTRAM o que elas são, e exibem a parte socialmente aceitável. Utilizam a experiência de vida, o know-how, e a percepção, para deixar transparecer apenas aquela seleção de características que lhes parece a ideal. Ou seja, nós não somos uma imagem falsa, apenas uma imagem INCOMPLETA. A melhor metade. Estritamente o necessário, sem excessos.

Então por que essa idéia errada de que as máscaras são fantasias que escondem uma realidade terrível e assustadora, uma besta interior, sempre cheia de pecados capitais e instintos animais que ofendem a beleza da nossa sociedade utópica? Bem, para começar, a maioria dessas coisas terríveis e socialmente vetadas são inerentes a QUALQUER ser humano. E vire-se para controlar. Tudo bem, a gente filtra como pode, afinal são milênios de prática acumulada e repassada pela memória genética e pela educação... mas, permitam o desabafo, é uma tarefa injusta e ingrata! Assumindo-se , apenas para efeito ilustrativo, que nós máscaras habitemos a mente, e a verdadeira essencia se localize no coração. Nós aqui em cima temos o controle total sobre ar. Somos feitos de puro ar. Mas o outro lado de lá tem toda a terra, água, e - para nosso desespero - fogo. Nós temos a sapiência, eles têm a teimosia.
É como um bando de paraplégicos tentando controlar um elefante desenfreado. A única coisa que se pode fazer é tentar convencer o elefante de que está tudo bem. Enquanto ele acredita, maravilha. Ele é assim meio tapado mesmo, e estando dócil, é fácil controlá-lo e convencê-lo a ir numa certa direção. Isso é o que acontece a maior parte do tempo. Agora, quando ele cisma com alguma coisa e quer ir para o lado errado.... nem toda a lábia do mundo consegue segurá-lo. Ficamos à mercê do monstro instintivo e destruidor, tentando acalmá-lo com palavras que ele no fundo não entende, e torcendo. Muito.
A solução, diriam alguns, é então trancafiar o elefante numa jaula de ferro e deixar ele lá. Mas como eu disse antes, a mente sem o coração é paraplégica. Precisamos dele para irmos a algum lugar. A vida inteira nós buscamos a maneira mais competente de utilizar o elefante sem perder o controle dele. Essa busca por equilíbrio é milenar e nobre, e embora seja uma conclusão óbvia agora, muita gente envelhece e morre sem perceber que precisava ter feito essa jornada. E não importa o quanto nós tentemos, uma pequena falha, um pequeno deslize, e até mesmo uma convivência mais estreita com qualquer pessoa, revela pedaços da personalidade que tentamos esconder e isso é suficiente para destruir anos de trabalho em construir uma imagem decente e alcançar um dado posto social. Ou seja, vai tudo por água abaixo.

Basicamente, era essa a reclamação. Nós, mentes pensantes, filtros de personalidade, nós, essência de ar, somos o lado mais fraco da corda da sociedade, sempre levamos a culpa, somos taxados de falsos, e ainda por cima, muitas vezes negligenciados e mal-alimentados por pessoas que não se incomodam em deixar o coração, com todo seu egocentrismo e tacanhez, agir livre e sem restrições. Longe de mim ser cético e anti-romântico. Há de se admitir a beleza da paixão arrebatada. Mas convenhamos, um amor forte e intenso só funciona quando filtrado pela máscara. Quando ele fica grande demais para controlarmos, ele fica doentio e destrutivo. A mesma coisa pode se dizer de ambição e determinação. Quando ela cresce demais, passa a ser ganância e falta de escrúpulos. E o que se ganha por deixar escapar o elefante? Decepções, desilusões, a imagem manchada, os laços sociais rompidos, e uma bagunça louca em casa que sobra para nós arrumarmos.
O melhor mesmo seria nunca se aproximar demais, nunca se envolver, nunca se tornar íntimo. Criar laços apenas estreitos o suficiente para que se vislumbre o nosso interior, nunca que se enxergue. A partir do momento inevitável em que a máscara começa a cair e a besta começa a estender as garrinhas, afastar-se e partir para outra. Seria perfeito, se ao menos fosse fácil manobrar o maldito bicho. Mas, verdade seja dita, não adianta nada dizer para ele "Não existem amendoins para aquele lado!". O monstrengo pode ser idiota, mas tem bom olfato....

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