27.12.08

Enquanto escrevo esse post, estou sentado em uma confortável pedra em formato de sofá, no meio do pasto do sítio dos meus avós, lutando para enxergar algo no monitor apesar do sol ofuscante. Tentei escrevê-lo ontem à noite, mas infelizmente, a despeito dos avanços tecnológicos da última década, sinal de celular (e, consequentemente, internet móvel) aqui só existe do lado de fora da casa, e na curta trégua que a chuva deu ontem, um incidente com uma aranha armadeira que resolveu veriricar de onde vinha tanto brilho e pulou no meu monitor abortaram precocemente meu projeto de blogada. Pelo menos agora está seco e o brilho do monitor, que quase não é suficiente para furar o antireflexo, não vai atrair nenhum aracnídeo peçonhento curioso.

É justo questionar o que de tão importante eu teria para escrever que me fizesse enfrentar a natureza em busca de um resquíscio de modernidade, tão malvisto nestes recantos bucólicos do planeta. O que me motivou foi justamente o lugar. O sítio dos meus avós, Santana do Serrano, carinhosamente conhecido como Bauzinho pela família Savastano. Bauzinho porque ele tem uma vista privilegiada da Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí. Meus avós compraram esse lugar quando eu ainda tinha uns 6 anos de idade. Permutaram pela casa aonde meu pai e alguns dos tios nasceram, e aonde nós (eu e minhas irmãs, uma das quais recém-nascida) tínhamos brevemente residido antes de irmos para o Rio em 86. Desde que consigo me lembrar, o Baú tem sido palco das festas mais divertidas da família, e das viagens mais memoráveis. E sempre que eu piso aqui eu me pergunto por que diabos eu tenho vindo cada vez menos para cá.

Por um lado, tem a ver com o inevitável crescimento da família. Sou o neto mais velho e sempre tive uma exclusividade limitada de direitos na casa da minha avó. Também fui o responsável por desbravar vários caminhos não trilhados, o que evidentemente sempre facilitou a vida dos meus primos e irmãos mais novos. É uma troca justa, mais privilégios e mais responsabilidades. Mas hoje em dia quase todos os 24 (com mais um a caminho!) netos de D. Ângela são maiores de idade, vacinados, e com seus róprios planos para feriados prolongados. Por consequência, graças a uma política social velada, o sítio acabou sendo "herdado" pela segunda geração de netos. E o fato de nunca conseguir uma data que já não estivesse ocupada pelos jovens em questão me fez desencanar um pouco de vir para cá ou trazer amigos (até porque, conseguir agendar outra data importante como o Reveillon de 99 só para mim e para amigos meus provavelmente nunca acontecerá)

Mas por outro lado, não consigo deixar de sentir que parte da culpa é minha. Eu nunca encontrei um lugar para o sítio na minha autoproclamada "vida adulta." E aqui no meio do nada, com vento no rosto e ouvindo a algazarra dos pássaros, eu começo a desconfiar que o que eu fiz foi bloquear uma parte de mim que sempre pertenceu a esse lugar. Porque essa é a parte infantil que vê qualquer buraco no mato como um convite à exploração, um portal para uma aventura fantástica; que associa cada barulho a um ser folclórico ou mitológico, um fantasma ou um alienígena furtivo; que deita na grama para olhar as estrelas e sente que a qualquer momento a gravidade pode se inverter e eu posso cair no vazio imenso.

Tem muitos sonhos inacabados perdidos entre as árvores do quintal e entre as pedras do riozinho. Grandes sagas que eu levava comigo e que continuavam de onde tinham parado sempre que eu botava os pés aqui de novo. Grandes certezas, como a de que eu estava cada vez mais próximo de conseguir levitar ou virar um peixe e respirar embaixo d'água (só precisava ser um pouco mais velho). Grandes amores platônicos da infância e da adolescência que viravam fantasias românticas bestas que sempre - sempre - aconteciam aqui. Nenhum deles teve desfecho, porque ficaram aqui esperando meu retorno, e eu não voltei mais. Até continuei aparecendo, eventualmente, mas sempre como um estranho, como um convidado na minha própria casa.

Não sei por que diabos eu decidi, consciente ou inconscientemente, que não iria mais revisitar meus sonhos. Mas uma coisa é certa. Aquele Rafael pequeno e delirante era muito mais corajoso do que eu. Os espinhos na mão, ralados no joelho, carrapatos na virilha, eram todos parte da diversão. Eram as dificuldades que potencializavam a vitória. Cada vez que eu saía da estrada e inventava uma trilha, eu tinha certeza que ia ficar ardido e incomodado por semanas com as escoriações, mas o impulso era irresistível. Tão diferente do que eu sou hoje!

Para variar, eu não me permiti ficar aqui muito tempo. Mal cheguei e já vou embora. Podia ficar mais, podia voltar para passar o ano novo, mas não ia adiantar muita coisa. Saber da minha dificuldade de conexão com o Baú não ajuda em nada a superá-la, infelizmente. Mas ao menos eu posso tentar levar para casa, no mínimo, esse post. E meditar sobre a lembrança de uma época em que, ao invés de desistir antecipadamente de tudo que requira esforço ou que vá causar dor, eu pulava de cabeça só pela emoção de superar.

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