14.10.08

Enquanto escrevia esse GIGANTESCO post, ele se tornou uma espécie de continuação do post do dia 6. Digamos que eu juntei minhas tranqueiras e já estou fazendo uma jangada ;)

A coisa mais estranha aconteceu nos últimos dias. Estranha não, até que era esperada. Mas foi intensa, e foi diferente de como eu imaginava que seria.

Como sempre acontece depois que a vida me dá uma porrada, eu me tranquei em um casulo para tentar reencontrar meu centro. Foi difícil, como sempre é. Passei por todos aqueles estágios horrorosos - raiva, depressão, negação, euforia - e não me orgulho de algumas coisas que fiz e nem falei, mas também não me envergonho. Não acho que muita gente no mundo reagiria melhor do que eu reagi, e grande parte das pessoas reagiria muito, muito pior.

Mas como qualquer casulo, o meu também serviu para me transformar em algo completamente diferente. Reavaliei os últimos anos da minha vida e cheguei a algumas conclusões óbvias, e outras surpreendentes. Ao menos para mim. Foram essas descobertas que me fizeram assumir algumas mudanças radicais de postura, e que estão me fazendo muito bem e me deixando muito feliz.

Não costumo fazer isso, mas vou falar diretamente do meu casamento, porque é a chave para a compreensão de tudo. Quando conheci a Jô, eu estava numa fase excelente da vida, tinha começado o tratamento de TDAH há 6 meses, emagrecido 14 quilos, passado em um concurso público federal que tinha UMA vaga... tudo naquela época era possível, as possibilidades eram ilimitadas. E o início da minha relação com ela não foi diferente. Tudo era correto, em níveis bem mais elevados do que os costumeiros para um relacionamento. Tudo parecia tranquilo de encarar, fácil de solucionar, e eu realmente acreditei que isso seria sempre assim. Claro, nunca me enganei, sei que as pessoas mudam com o tempo, e que relacionamentos longos dependem de mudanças razoavelmente sincronizadas e na mesma direção. Além de uma boa dose de esforço e tolerância, claro. Mas naquela época nós tínhamos tudo isso, de sobra.

Outra coisa que eu sabia muito bem era que em algum momento eu iria atingir meus limites de verdade, e que aí as coisas passariam a ser difíceis de novo, só o que mudaria seria a quantidade de coisas que eu podia conquistar antes de precisar de um descanso. E que nem todos os problemas da minha vida se resumiam ao TDAH.

O que eu não sabia na época, e foi uma constatação recente e amarga, era que simplesmente saber dessas coisas não me fazia automaticamente capaz de lidar com elas. Ou mesmo capaz de perceber quando elas estivessem acontecendo. Esses problemas praticamente me estapearam na cara nos últimos 3 anos, e eu não percebi. E quando percebi, não soube o que fazer. Fui lentamente sendo sufocado e afogado por eles, até que cheguei a um ponto inacreditável em que eu era quase uma sombra, isolado e acorrentado pelos meus próprios fantasmas.

Quando o casamento explodiu, em junho desse ano, eu não consegui acreditar. Demorou para assimilar, para entender o que tinha acontecido. Muito foi discutido sobre causas e consequências, mas a verdade mesmo é que eu estava cego. E nem mesmo ter lido o Ensaio Sobre a Cegueira, do Saramago, pouquíssimo tempo antes da hecatombe me deu o estalo. Foi necessário encarar merda atrás de merda para finalmente acordar para a verdade acachapante. E a verdade é muito simples:

Eu me recusei a crescer.

Do alto da minha arrogância de quem sempre foi um adolescente muito mais maduro do que o resto, eu simplesmente parei no tempo e continuei sendo um adolescente maduro quando deveria ter virado um homem. Meu casamento foi o triste retrato disso. O tempo todo, encarávamos ele como o mesmo projeto pensado por nós dois aos 22 anos de idade, no auge da paixão. Era brincar de casinha. A prova mais evidente disso era a forma como encarávamos a própria festa do casamento. Nunca marcamos data, nunca priorizamos, nunca realmente nos comprometemos a dar esse passo. E não houve um culpado, foi só a forma como nós fizemos. E eu só posso evidentemente avaliar o meu lado da responsabilidade aqui no blog.

Não sei sinceramente o que me ancorou tanto. Não sei se foi o fato da Jô estar chegando ao Rio e passando pelas mesmas coisas que eu passei quando vim pra cá, aos 17 anos, que me fez ficar preso numa reprise do início da minha juventude. Não sei se foi o fato de ter entrado tarde na faculdade e estar cercado sempre de gente 5 anos mais nova que eu, enquanto ao mesmo tempo trabalhava em um lugar cercado de gente pelo menos 10 anos mais velha. Aliás, esse foi meu grande erro, ter passado tanto tempo me sentindo um estagiário, um moleque, no meu próprio ambiente de trabalho. Ainda não consegui quantificar o prejuízo que esse comportamento me causou, mas foi devastador.

O fato é que essa separação dolorosa me jogou no fundo do poço, e por uns bons meses eu simplesmente tentei voltar aos meus 22 anos de idade, viver no passado mesmo. Só que eu não pertenço mais a esse mundo. Não posso me enganar que as menininhas de 19, 20 anos de hoje vão olhar uma foto minha fazendo pose no Orkut e me achar gato. Não posso me enganar que frequentar comunidades de videogame e bandas de rock vai me trazer qualquer interação social que não a de um tiozão maneiro. Só tenho 27 anos, claro, mas a verdade é que pessoas da minha idade não estão socializando mais na internet toda noite. Estão começando a constituir família, estão se focando no trabalho, em criar filhos pequenos... fazendo todas as coisas que eu por tanto tempo me esquivei de fazer. A grande movimentação de volta ao círculo social acontece lá pelos 40, então meu comportamento atual me deixa praticamente no limbo.

Essa constatação amarga me fez finalmente entender o que me deixou tão mal a ponto de ruir um casamento que tinha tudo para dar certo. Não foi minha incapacidade química, ou minha incapacidade social, ou física, nada. Foi minha incapacidade psicológica de abandonar os bons anos da minha vida e encarar a vida adulta de frente. De abandonar minha mentalidade de garoto e mudar meus conceitos, que por tanto tempo eu tive como minha "identidade." E sim, é muito estranho um aquariano resiliente a mudanças, mas esse sou eu. Resistente até o fim, mas sempre radical na transformação.

Foi só quando percebi que já se iam 10 meses fazendo natação regularmente, através dos meses mais intensamente massacrantes da minha vida até o momento, que eu tive a capacidade de abandonar essa "identidade" que eu mantive por teimosia e aceitar que eu sou outro. Outro corpo, outra cabeça, outra idade, outras fraquezas e outras forças. Chega de viver como se 2004 nunca tivesse acabado (e foi isso que eu fiz esse tempo todo).

Não estou obviamente dizendo que vou mudar meu círculo social ou meu comportamento para com as pessoas, eu sempre serei eu. Mas podem acreditar que, por dentro, está ocorrendo uma mudança muito grande. Deixei de achar que eu sou o que como, o que visto e o que faço. Eu sou o que sou, e eu não tenho vergonha de encarar o mundo de cara limpa. Essa mesma cara de bochechas já meio caídas, de olheiras fundas, de pele manchada. Nada disso me incomoda, porque o olhar e o sorriso permanecerão para sempre.

E a primeira mudança radical de postura vai ser em relação ao trabalho. Chega de me isolar aqui. De me comportar como se não pertencesse, de evitar formar laços porque a qualquer momento eu posso sair fora. É claro que posso, mas não estou me ajudando fazendo o tipo gênio-problemático. Não, vou parar de reagir explosivamente, vou falar o que tenho que falar olhando nos olhos e com voz firme. Vou, sim, me defender da política de escritório porque o problema é meu, e não do mundo que não presta. Vou assumir desafios, responsabilidades, e vou tomar as rédeas das coisas quando elas começarem a degringolar ao meu redor. Nunca mais vou ser vítima, e nunca mais vou aceitar as merdas que me servem de colherinha aqui como fatos inevitáveis. Ontem já botei isso em prática e juro que é tão eficiente que estou praticamente dando uma virada de mesa aqui hoje, e fazem só 24 horas que eu comecei!

Também já estou aplicando isso à vida pessoal. Estou controlando meus gastos na ponta do lápis, e quem me conhece sabe que eu NUNCA fiz isso, sempre julguei que eu era "incapaz." Mas não sou, só tenho dificuldade. Assim como tinha dificuldade de fazer exercícios e dieta, e no entanto estou aí fazendo e não tem ninguém me cobrando ou nenhuma recompensa para mim no final a não ser meu próprio bem. Decidi aplicar isso a finanças também. E embora seja triste ter a consciência de que eu simplesmente não tenho como comprar muitas coisas que preciso (ou mesmo terminar a obra do apartamento), estou muito orgulhoso de ter passado quase um mês inteiro sabendo exatamente quanto dinheiro eu tenho, quanto posso gastar, e quanto vai sobrar. Acreditem, é muito frustrante ter que pensar que ganhar na loteria é a única forma "possível" de equilibrar as contas. Não quero isso nunca mais.

E principalmente, estou me dando mais atenção MESMO, fazendo as coisas por mim, coisa que eu não fazia desde o curto período entre iniciar o tratamento de TDAH e conhecer a Jô. Chega de procurar alívio em contatos sociais fúteis com pessoas desconhecidas ou que não valham a pena. Nos primeiros meses depois da separação eu estava quase um junkie. E obviamente que, independente de quanta gente você conheça ou paquere, o vazio nunca some, e você pode até estar eufórico em um momento, mas deitar a cabeça no travesseiro quebra qualquer euforia. Uma vez, alguém me disse que os contatos sociais que valem a pena são os que você inicia sendo você mesmo, indo a lugares que você gosta e fazendo coisas que aprecia. Há pouco tempo, no auge da depressão, eu achava que ia demorar muito até eu estar novamente bem comigo mesmo o suficiente para atrair esse tipo de acaso. Mas agora acho que não vai demorar não. Eu só tenho que parar de insistir no caminho errado.

Claro que essas mudanças de postura não são assim instantâneas. Ainda estou passando pelo aftermatch do furacão que me atropelou, ainda estou sujeito a fraquezas e tristezas. Mas o que importa é que eu realmente acredito em tudo o que escrevi. Acredito porque faz sentido. Porque explica muita coisa, porque amarra pontas soltas, e porque eu não tirei isso da minha bunda, eu passei por muita coisa pra chegar a essas conclusões.

Então, se alguém aí ainda tá lendo, me deseje sorte! Estou içando a âncora rumo ao horizonte outra vez.


Wind

2 comentários:

Robs disse...

Assim como você eu também sofria dessa "síndrome de peterpan", mas uma coisa que me ajudou foi ter engravidado...
Diego em fez perceber que eu não era mais a filha, a aborrecente, afinal eu ia ser mãe.
Até hoje vejo o nascimento do Diego como um marco para minha transformação. Obviamente tenho muitos pontos ainda a mudar, crescer, etc. Mas eu já me vejo como uma adulta e responsável.
Nunca tinha parado para pensar como deve ser difícil essa transição ou mesmo tomar consciência disso quando não se tem um filho.
Como você pediu: Boa Sorte aí, moço!

Atilio Baroni Filho disse...

Hermano, boa sorte :) é muito bom ver, mesmo a distância, a sua transformação... posso desejar isso e oferecer a companhia sempre que estivermos a fim, afinal risadas sempre continuarão atuais ;P