7.2.11

Tem um segredo na vida que eu pretendo revelar para meus filhos assim que eles tiverem idade para compreender, um segredo que eu, mesmo, só fui descobrir depois de velho, e que uniu algumas pontas soltas percebidas na juventude de forma elegante e satisfatória. Um segredo que muita gente jamais descobre, e que pode dar algum conforto aos nenéns conforme eles vão construindo sua estrutura social, uma etapa sempre complicada da vida.

E o segredo é: Não existe bom nem ruim. Todas as coisas te dão exatamente o quanto você está disposto a investir nelas.

Isso pode não parecer segredo nenhum e ser até bem óbvio para a maioria das pessoas, uma vez que é dito. Mas de alguma forma, não é assim que a maioria das pessoas reage ao analisar o comprometimento dos iguais com as coisas que lhes apetecem. O famoso "gosto pessoal," tão presente nos ditados que compõem o senso comum.

Claro, a inexistência do bom e do ruim não significa que as coisas (e vou estreitar aqui o discurso sem perda de generalidade transformando "coisas" em "produtos de arte e entretenimento" - música, filmes, livros, movimentos culturais, etc.) não possam ser avaliadas em termos objetivos e universais. Podemos avaliá-los, por exemplo, na escala de tosco/elaborado ou na de formulaico/criativo. Ambas as medidas são costumeiramente confundidas com ruim/bom, mas isso é uma bobagem. Mais sobre o assunto adiante.

Antes de mais nada, um pouco de background. Não é segredo para ninguém que no meu "estágio probatório" de convívio social eu escolhi o caminho do que classicamente se chama de Nerd. O que significa que eu interagia menos do que o "normal" com as pessoas ao meu redor, e - talvez por consequência - absorvia menos dos gostos e interesses "normais" (o termo normal aqui é usado estritamente no sentido estatístico). Por ter também aprendido a ler mais cedo do que a média (e, em contrapartida, ter um desenvolvimento tardio da coordenação motora) o espaço que os esportes e as atividades físicas ocupam no desenvolvimento padrão de uma criança foi tomado pelas atividades mentais - leitura, principalmente. Por consequência, eu estava investido em obras mais complexas mais cedo do que o padrão.

Como é natural dessa fase do desenvolvimento social, durante toda a infância e adolescência, a combinação de fatores supracitados me levou a entrar no "time" das crianças em situação vagamente similar e ser um Nerd por todo esse estágio em que precisamos de rótulos facilmente identificáveis para sobreviver ao furacão da interação social. E como é igualmente natural, as crianças que eram categorizadas da mesma forma conviviam e trocavam experiências e gostos, e assim eu fui devidamente imbuído da subcultura nerd clássica - todos aqueles interesses que são tão bem-aceitos no meio que viram bandeiras do segmento social, defendidas com unhas e dentes como se fossem elas mesmas a própria identidade do indivíduo. Quadrinhos de super-heróis, RPG, Ficção Científica, Épicos de fantasia, camiseta de banda de rock, o pacote completo.

Nessa fase da vida, quando estamos fixando o conceito abstrato de Ruim/Bom, os interesses em que a nossa subcultura de "escolha" tem maior investimento viram nosso parágono de qualidade, e os interesses mais alienados pelos nossos iguais são rechaçados como ruins. Talvez não o fossem, se jovens em formação social não confundissem seus gostos pessoais com estandartes (e, o verdadeiro erro, os gostos pessoais de outras subculturas como bandeiras inimigas).

Esse processo me parece universal, e mesmo não tendo tido outras infâncias enquadrado em outras subculturas, acredito que seja a mesma coisa em qualquer caminho trilhado. Só que essa fase acaba e eventualmente o mundo, com toda a sua pluralidade cultural, se abre para que nós possamos enfim sermos indivíduos interagindo além das castas escolares. Claro, círculos sociais ainde existem, afinal mesmo uma mente adulta precisa de algum tipo de classificação para saber lidar com as milhares de pessoas que cruzam seu caminho ao longo da vida. Mas não existe mais a pressão implacável dos iguais para que reforcemos o estereótipo, pois as bandeiras da juventude perdem importância diante dos desafios individuais que a vida adulta apresenta (carreira, vida amorosa, família).

Infelizmente, nem todo mundo consegue superar a confusão identidade/subcultura e nunca realmente se permite olhar por cima do muro cultural auto-imposto e nas "bandeiras inimigas." O que é deprimente, de fato, porque o enquadramento em uma subcultura é resultado dos interesses individuais em dado ponto da vida - interesses que podem vir dos pais, dos amigos, da televisão, de qualquer lugar, mas que são essencialmente nossos, porque os selecionamos espontaneamente e investimos neles. Uma vez que caímos numa sociedade que largamente caga e anda para nossos próprios investimentos, ater-se a uma subcultura juvenil é limitar voluntariamente seu repertório.

No meu caso, eu tive sorte. Das várias turmas que tive desde o fim da adolescência, mesmo compostas basicamente por nerds, todas tinham pessoas com gostos pessoais que iam além do "socialmente aceito" para um nerd colegial. Sempre tinha alguém que gostava de alguma coisa que durante a juventude tinha sido parte de outra casta, e minha curiosidade sempre falou mais alto que o preconceito herdado dos rótulos. Aprendi a gostar de esportes, acompanhar, torcer, discutir. Comecei a ver filmes e ler livros de gêneros que antes não me interessavam. Da minha própria infância e das influências familiares resgatei também outros interesses grandes, como a música clássica e a MPB. Expandi bastante meus horizontes musicais, avaliando sem preconceitos a música eletrônica, a música pop, a música regional, e tantos outros estilos largamente hostilizados pela subcultura nerd. Aprendi a prestar atenção na televisão antes de jogar toda a programação de todos os canais no mesmo balaio pretensiosamente rotulado de "lixo cultural." Aliás, aprendi que não existe lixo cultural.

Eu perdi até mesmo o receio de dançar, e por anos me joguei em baladas rock e pop diversas vezes por semana, dançando em palquinhos sem medo de ser feliz! Isso sim é quebra de estereótipo =P

E a verdadeira lição que eu tirei disso tudo é que existe "bom" em qualquer lugar. Basta que se invista atenção e tempo suficientes em uma obra para que essa obra o recompense com todas as sensações que se associa a uma experiência boa. Como todos nós investimos naquilo que é "obrigatório" para aceitação na tribo em que nos jogam lá nos meados da nossa infância.

E, como eu disse antes, mesmo obras universalmente toscas podem ser boas. Conheço muita gente que tira verdadeira satisfação de obras toscas. Quanto mais tosca, melhor. Isso não é nenhuma falha de caráter nem tampouco pobreza de espírito. Alguém que se dispõe a ser entretido pela tosqueira pode achar uma fonte infinita de recompensas, afinal o tosco é cru, amorfo, acidentado, e portanto rico em detalhes. Basta que alguém realmente queira ser entretido pelos detalhes dissonantes, há mais deles em obras toscas do que em qualquer obra ultra-elaborada.

Também conheço muita, muita gente mesmo, que realmente aprecia o formulaico. Esse caso é mais complexo, porque o lance da fórmula é que ela pega um investimento e transfere para diversas outras obras. Há quem consiga extrair a diversão de cada uma delas, e há quem já tenha recolhido todo o investimento e não encontre mais qualquer diversão em mais do mesmo. Isso significa que o criativo e novo é melhor do que o formulaico e, portanto, "bom?" Não. Tudo o que é realmente novo é isento de qualquer investimento. A mente humana não consegue sequer compreender algo realmente novo da primeira vez que absorve. É preciso investir, tempo, atenção, vontade, para que algo inédito comece a ser satisfatório. É por isso que tem músicas que soam estranhas mas depois de algumas repetições "entram" na nossa cabeça e passam a ser do nosso gosto. Gostamos do que está em algum ponto entre o totalmente inédito e o totalmente saturado. Não tem nada a ver com bom ou ruim.

Por isso é que desde cedo, pretendo ensinar aos meninos que é normal procurar um molde, uma identidade, especialmente nos primeiros anos da vida. E que é natural viver esse molde como a própria identidade por uns anos. Mas esse estágio passa, e dali por diante, sempre ignore qualquer tentativa de qualquer pessoa tentar ensiná-los o que é bom e o que é ruim, ou pior, o que eles devem ou não devem gostar. Esse tipo de pregação moral não tem fundamento, é o ranço de uma fase com início e fim em que a linha entre aceitação e aceitável é difusa, e que restringir a satisfação que se pode receber da arte e do entretenimento com base nessas regras furadas é desperdiçar amplamente os prazeres sensoriais que a vida nos oferece.

15.10.10

Aos pais de merda

Sempre soube que a paternidade mudava radicalmente a nossa vida, mas confesso que minha rica e intensa experiência tem me moldado para caminhos que eu não esperava. Nunca fui, por exemplo, dado a rótulos como "de merda." Raramente na vida considerei alguém digno de ser ser denegrido a esse ponto, porque sempre fui compelido por uma vocação de alma a analisar todos os pontos de vista de uma questão e entender as causas ao invés de julgar os efeitos. Claro, isso nunca me impediu de aplicar a pecha a alguns desafetos com a intenção específica de desabafar, mas realmente considerar alguém um merda, até hoje tinha sido difícil. Todo tipo de falha de caráter ou de amoralidade que eu presenciei pessoalmente tinha alguma base ou justificativa torta em fraquezas corriqueiras do ser humano. Todo mundo tinha alguma lógica para se considerar protagonista da própria vida e eu em geral entendia e respeitava essas coisas, afinal, cada um sabe a dor e a delícia (ou o inferno) de ser o que é.

Mas agora que sou pai, e avaliando a meu redor a capacidade de outros pais de desestruturar e causar dor a seus filhos - que infelizmente tenho testemunhado bem mais do que eu gostaria - eu sei que não existe justificativa, por mais remota que seja, para massacrar quem você mesmo botou no mundo. Ninguém pede para nascer, mas também ninguém é obrigado a procriar. O prazer envolvido no ato, a vocação genética, nada disso pode ser usado como desculpa no século XXI com inúmeras alternativas acessíveis para foder sem conceber. A partir do momento em que se inflige a vida (por assim dizer) a alguém, essa vida está na sua conta pelo resto dos seus dias. Fazer miserável essa vida que também não lhe pediu para nascer, é ser sim um merda no sentido amplo e profundo do termo. Um merda com pedigree.

A maioria dos pais de merda justificam sua própria incompetência com a incompetência de seus próprios pais, o que é a coisa mais merda a se dizer na vida. Que tipo de escroto repassa uma violência sofrida a um terceiro inocente? Uma variação dessa corja são os filhos de pais de merda que decidem que criarão seus filhos da forma exatamente oposta à que foram criados, uma armadilha muito comum entre os ineptos de bosta que criam pequenos monstrinhos. Dica para quem planeja fazer isso com seus próprios filhos: O oposto de um erro não é necessariamente um acerto. Por "não necessariamente" leia-se "quase nunca."

Outra grande babaquice que pais de merda dizem para justificar o injustificável é jogar a culpa da relação degradante nos filhos, tratá-los como se fossem casos perdidos, decepções, potenciais que fracassaram. Esses putos esquecem que se seus filhos são deficientes em algum aspecto, é basicamente porque eles foram incapazes de formá-los a contento. Muitos idiotas acham que um bebê é uma esponja que eles podem preencher com o que quiserem, um autômato que nascerá compreendendo comandos verbais e que viverá em função dos sonhos e ambições (muitas vezes transferidos das próprias frustrações) dos pais. É impressionante que isso seja surpresa para alguém, mas bebês nascem com personalidade própria. O aprendizado do ser humano acontece em fases bem distintas e apenas a última delas, se tanto, envolve a aceitação de lições verbalizadas. E mesmo essa aceitação é indireta, complexa, sujeita aos caprichos da alma da criança. Pais que falham em reconhecer isso e posteriormente oprimem seus filhos com cobranças, antagonismos e decepção, são duplamente merdas por terceirizar a própria inaptidão. Covardes de merda.

Inclusive, vai aí a dica mais valiosa que eu posso dar para alguém nesse momento da minha vida, algo que realmente ficou muito evidente depois que virei pai. Pessoas que ainda estão naquele estágio de terminar relacionamentos por incompatibilidade, por favor evitem ter filhos. Claro que a paternidade (ou maternidade) pode ter um efeito mágico e causar um amadurecimento instantâneo que a viabilize, mas se isso não acontecer, as chances de você se tornar um pai ou mãe de bosta são grandes. Seus filhos terão um relacionamento com você tão intenso quanto qualquer casamento, possivelmente mais. Eles vão ter horários diferentes dos seus. Vão demandar mais do que oferecem em troca por grande parte da vida. Todos, sem exceção, são egocêntricos (que ao pai de merda parece egoísmo) por algum tempo, todos estão aprendendo a ouvir, falar, ler, contar, tudo ao mesmo tempo e tudo do zero. Todos nascem num ciclo de subsistência básico e só com o tempo vão lapidando a moral e o caráter. Todos vão torrar seu dinheiro, dominar sua casa, contestar suas decisões e, depois de anos dessa relação sugadora e acorrentadora, se a natureza seguir seu curso padrão, eles trocarão seu afeto pelo de outra pessoa, normalmente bem mais jovem.

Então, se você não está preparado para amar dessa forma, se não consegue se imaginar passando anos ao lado de alguém que ultrapassa todos os seus limites e que não abre brechas para repensar relacionamento ou espairar, então evite ter filhos. Mesmo. Eu diria até "não tenha," uma postura radical dessas inviabilizaria a existência de duas das coisas mais preciosas da minha vida, o que significa que algumas pessoas podem fazer um enorme bem apesar de seus pais de merda. Mas não posso endossar de forma alguma o tipo de sofrimento a que o filho de um merda é submetido. Sei que sofrimento é importante e engrandece a alma, mas fontes de sofrimento nesse mundo não faltam, a família não precisa fornecer ESSE aprendizado.

Eu, felizmente, estou pronto. E para quem sabe do que se trata e aceita os termos do contrato, ser pai é a melhor coisa do mundo.

7.4.10

Carta ao bebê

Filho(a),

Eu sei que você só vai receber essa carta daqui a uns 8 meses, e que só vai ser capaz de lê-la mais uns tantos anos adiante. Mas seu pai tem pressa de te contar sobre todas as coisas que você já está fazendo com ele antes mesmo de sabermos se você é um menino ou uma menina. Desde que nós descobrimos que você estava a caminho, tanta coisa aconteceu que eu mal tive tempo de me concentrar em você, mas a verdade é que eu não aguento mais esperar para te conhecer. E olha que ainda falta uma eternidade!

Você veio de surpresa, apressadamente, nem esperou seus pais se organizaram para morar juntos, mas não posso em sã consciência dizer que você não foi um bebê planejado. Já falávamos de você há algum tempo, seu nome sempre figurando dos nossos planos futuros de sermos uma família feliz. E quando eu descobri que você havia furado a fila e resolvido vir até nós antes do tempo, minha vida mudou tão de repente e tão completamente que me fez descobrir todo um novo universo.

Eu sempre soube que queria ter filhos, mas nunca parei para pensar no porquê. Sempre foi algo meio arraigado no meu conceito de família. E de repente, tudo fez sentido. Sabe, seu pai sempre viveu a vida aproveitando cada detalhe dela, sempre olhou para o mundo com olhos inquisitivos e sempre direcionou a própria vida no sentido das descobertas. Sou um pai curioso. Vivi nesses quase 30 anos que separam nossas chegadas ao mundo mais vidas do que muita gente vive em 80. Morei em muitos lugares, tive muitas turmas, muitas casas, muitas aventuras. E dentro da minha cabeça, foram outras tantas, vividas pelos livros, pelos filmes, pelo faz-de-conta. Mais do que uma narrativa linear, para mim a vida é feita de cheiros, cores, sons, sensações. Mecanismos. Pessoas que vêm e vão e as marcas que elas deixam. Só que os anos foram trazendo compromissos e levando liberdades, como é natural da vida adulta. O potencial infinito se torna uma realidade finita, e o tempo para prestar atenção nas cores e para construir mundos no faz-de-conta fica escasso, roubado pelas responsabilidades.

E no momento em que eu descobri que ia ser pai, foi como se, subitamente, eu tivesse a chance de redescobrir o mundo pelos seus olhos, pelo seu sorriso, seu choro, seu abraço. Subitamente as responsabilidades da vida adulta ganharam um propósito simples e que tudo justifica, que é te dar seus 30 anos de sensações, descobertas e aventuras, para que você também curta esse mundo que, apesar dos pesares, pode ser muito divertido. E eu posso dizer que tenho uma certa pena, hoje em dia, de pessoas que têm filhos sem desejar isso. É uma experiência que não deve fazer sentido para quem encara a vida como uma série de dificuldades.

Eu sei que provavelmente vou passar a maior parte do meu tempo me preocupando com sua educação, com sua formação moral e com sua saúde e bem-estar, mas a vontade que eu sinto mesmo lá no fundo é de me tornar criança de novo e crescer junto com você, compartilhando as brincadeiras, as histórias, as aventuras, sendo seu melhor amigo. E claro que eu sei que você crescerá num mundo diferente do meu, numa época diferente, mas eu quero muito que você veja e sinta tudo o que eu vi e senti, mesmo que com detalhes e circunstâncias diferentes. Não vou ser desses pais que ficam insistindo pros filhos brincarem das mesmas coisas que brincavam em sua época, nem vou te levar pros mesmos lugares onde eu cresci (até porque, muitos deles nem existem mais), mas cada vez que você pousar seus olhinhos curiosos sobre algo novo, pode ter certeza que eu vou estar fixado e mergulhado no reflexo das suas íris (que nem sei que cor terão), tentando enxergar o mundo que você enxerga.

Espero que você goste de mim como eu já gosto de você. Que nós nos demos bem, porque um dia teremos que nos separar para que você mesmo(a) siga sua vida adulta como você decidir, e a partir daí nossa relação simbiótica se quebra e só o que resta é a amizade que, espero, nascerá ao longo dos próximos anos. De minha parte, eu já te amo de uma forma louca e diferente de qualquer outro amor que eu já experimentei, porque estou acostumado a conhecer as pessoas de fora para dentro, e você eu vou conhecer de dentro para fora, assistir ao nascimento das suas idiosincrasias, seus traços, manias e - espero que poucas - cicatrizes. Já você, vai me ter como ícone por algum tempo antes de começar a finalmente me conhecer, quando a inevitável adolescência chegar. Espero não te decepcionar muito.

E é isso. Estou ansioso para começarmos, tenho grandes planos para nós, planos que certamente serão refeitos muitas e muitas vezes, mas nunca abandonados, porque ser pai é uma ocupação integral e, agora que eu virei um, não abro mão de ser tão cedo. Na verdade, eu quero é ser logo. Tome seu tempo aí na barriga da mamãe, mas não demore muito, estou contando as horas para o nosso primeiro abraço.

Seu pai.

Rio de Janeiro, 07 de Abril de 2010

22.2.10

Tenho uma confissão bombástica a fazer, então vou direto ao ponto: eu estou assistindo a décima edição do Big Brother Brasil.

Não é a primeira vez que eu assisto o programa, eu acompanhei da metade pro fim as eliminações da segunda edição (mais ouvi do que vi, na verdade, porque a TV ficava ligada e eu ficava no computador fazendo outras coisas), e eu evidentemente fiquei a par do desenrolar da sétima edição, porque também não se falava em outra coisa na época. Mas essa é a primeira vez em que eu fui pego no esquema de acompanhar as provas, as formações de paredão, a maioria das edições, e até mesmo - *gasp* - as festas. E confesso que pela primeira vez na vida usei minha conta véia de guerra da Globo.com para espiar o streaming vez ou outra (não tenho Multishow para assistir a meia hora extra, então me viro como posso).

Atribuo essa mudança de postura a três fatores chave. O primeiro foi o fato da minha noiva assistir, o que me fez ter que optar entre ficar olhando pro infinito pensando "lugar feliz, lugar feliz" ou parar e assistir junto, já que o horário do programa não era propício a qualquer outra atividade conjunta. O segundo foi a boa escolha de elenco desse ano, que me pareceu bem menos genérica do que a de anos anteriores - mas talvez isso seja consequência do primeiro fator, já que eu dediquei mais do que 5 segundos da minha atenção para conhecer os participantes. E terceiro, mas não menos importante, foi o fato desse ano ser o ano do Twitter - que é ao mesmo tempo uma rede social mais seletiva e mais abrangente do que o Orkut. Enquanto no Orkut estávamos sempre separados pelas barreiras do tema da comunidade em questão, no Twitter os assuntos fluem livremente, e muito para minha surpresa (farei um post só sobre isso um dia, talvez) os assuntos que dominam o Twitter são basicamente TV aberta e cultura de massa. Então é claro que assim que o programa começou, virou praticamente o único assunto da minha timeline, e gente conversando sobre é sempre um atrativo fatal para qualquer tipo de programa.

Mas claro que estar assistindo não me faz gostar mais do programa. Todos os defeitos que eu sempre vi continuam lá, só que agora eu estou pego nessa curiosidade mórbida coletiva que faz todo mundo diminuir a velocidade pra ver acidente na estrada. E não é nem má vontade, eu estou genuinamente tentando gostar do programa. O problema é que o Big Brother Brasil sofre de múltiplas personalidades e, tentando definir se é um estudo antropológico ou uma soap opera, acaba sendo um exemplar ruim das duas categorias.

Não vou aqui levantar a bandeira de que reality shows são lixo. Reconheço a importância do gênero e a evolução que ele causou em todos os outros tipos de mídia. Os realitys comportamentais, especificamente (dos quais o Big Brother é o pai e o principal expoente), trouxeram ao entretenimento de massas um vislumbre do comportamento humano em sua forma mais crua, mais espontânea, e forçaram os telespectadores a acompanharem um enredo sem o timing e o ritmo cuidadosamente construídos das obras roteirizadas, e principalmente com personagens bem menos maniqueístas. Não existe essencialmente mocinho e bandido, não existe o bem e o mal, existem pessoas normais, cada uma com seu caráter. É bem mais complicado, e ao mesmo tempo bem mais interessante, acompanhar um programa que não tem protagonistas. Não é à toa que, de uns anos para cá, a maioria dos filmes e séries que competem com reality shows por audiência investiram pesadamente em personagens cheios de defeitos e falhas tipicamente humanas. Agora que o espectador padrão se tornou um antropólogo de boteco, o conflito moral passou a ser ao mesmo tempo viável e necessário para manter interesse.

Por outro lado, o Big Brother é um tipo muito peculiar de reality show. Ao contrário dos programas da segunda geração que se focam em pessoas competindo em alguma área específica de trabalho, ou em famílias televisionando seu cotidiano, não existe fio da meada. Ninguém está ali lutando pela superação pessoal e pela excelência em alguma profissão ou carreira. Eles apenas interagem entre si e o público vai eliminando quem não lhe apetece até que sobre apenas um, que leva uma grana pra casa e fim. Tudo o que eles fazem, todo o "jogo" envolvido, é tentar evitar o julgamento pelo maior tempo possível. O resto é brincar de casinha e ser assistido o tempo todo no processo.

Pois bem, a questão é que o público brasileiro não tem tanta vocação assim para a antropologia. Nos moldes do original holandês, o Big Brother brasileiro seria um fracasso retumbante. Nossa cultura televisita é calcada nas telenovelas (que por sua vez vieram das novelas radiofônicas), que são por definição obras palatáveis, de personagens rasos e onde tudo é preto-no-branco. Ou alguém é bonzinho, ou é malvado, e há certos comportamentos recorrentes tipicamente associados a um e outro tipo. Outro país que tem essa cultura (no caso deles, de telesséries, que derivam da indústria cinematográfica nacional) é os Estados Unidos. Lá, Big Brother não cola. Eles favorecem os Realitys em que tudo é pré-gravado, editado e apresentado num formato fácil de digerir. Exibição ao vivo e participação do público lá é limitada e tem como propósito julgar algo muito bem definido (por exemplo, o talento de competidores do American Idol).

No Brasil, por outro lado, o Big Brother virou um produto único e ousado. Sem deixar de ser um programa onde o público assiste a vida dos participantes ao vivo, existe aqui uma edição em tempo real que muitos profissionais achariam impossível fazer. O diretor consegue, apenas com as câmeras (que têm alcance limitado, inclusive) e a mesa de áudio, criar personagens e dar tons de novela a cenas e diálogos que estão se desenrolando espontaneamente. Claro que existem edições tradicionais, exibidas diariamente, e o público sabe muito bem que nessas a produção faz o que quiser (a falta de roteiro e direção é compensada pela quantidade massiva de material). Mas mesmo quem vê ao vivo está assistindo a versão dos fatos da emissora, que é finamente orquestrada e tem objetivos bem específicos. Há uma história sendo contada, e é uma obra conjunta dos participantes-atores e das câmeras-diretoras. E uma história muito intrigante do ponto de vista sociológico.

Então por que eu não consigo gostar do BBB? Uma das coisas que me incomoda é a constante obliteração da quarta parede, através das irritantes interferências do Pedro Bial e das incursões malucas dos personagens ao mundo exterior no meio do programa. Mas a pior violação, a que realmente estraga o programa para mim, deve-se a um participante, um único, que não me desce pela garganta de jeito nenhum. Um participante que não me representa, que não interage com ninguém na casa e mesmo assim tem um poder desproporcional lá dentro. Um participante com uma visão estreita e radical das coisas e com as opiniões mais retrógradas e estapafúrdias, e que, inexplicavelmente, volta para o programa toda temporada, desde a primeira: o público.

Como eu disse antes, não existe um talento ou um esforço específico sendo julgado no BBB. As votações são essencialmente para julgar as personagens - notem, não necessariamente as pessoas que estão lá, porque elas representam o papel que o diretor escolhe para eles baseado numa análise de aptidão. Porém, o público brasileiro está longe de ter uma visão antropológica evoluída. Quem ousa compôr o elenco de um Big Brother estará sendo julgado de acordo com valores de novela das oito. Estará sendo reduzido a uma caricatura, e uma vez encaixado nesse molde, é difícil sair. Vence o BBB quem vira protagonista de novela, e nesse aspecto, qual a vantagem de assistir um reality show quando se pode continuar vendo tramas bem mais elaboradas escritas do início ao fim pelo Manoel Carlos, pela Glória Pérez? Aqueles que, como eu, querem ver pessoas falíveis e normais vivendo romances, amizades e rusgas normais, são forçados a verem semanalmente um membro do elenco sendo "morto" porque não é bonzinho o suficiente para o gosto da massa. E aí, lá se vão os arcos de enredo que eu acompanhava, lá se vai a continuidade, tudo.

Imaginem se seria possível acompanhar uma série em que toda semana morresse um personagem deixando todos os seus plots em aberto. Imaginem, para fins de argumentação, se toda semana o público de Lost mandasse matar o personagem que menos gostasse. "Esse Jack é um idiota, matem-no e reescrevam a história sem ele!" "Kate fez merda essa semana, joguem-na pros tubarões!" Quem teria paciência para ver mais do que uns dias disso? Quantas semanas até termos uma série só com Hurley falando sozinho?

Claro, Lost é uma série roteirizada, diriam alguns, e BBB é realidade e improviso. Mas BBB é um programa de televisão, certo? Ele existe com fins de entretenimento, e nós pagamos Pay-per-View (ou pagamos com vergonha alheia das inserções escabrosas de merchandising) para sermos entretidos. Simplesmente ver gente andar por aí e bater papo o dia todo não é exatamente interessante, então mesmo um Big Brother precisa de conflito, de ritmo, de enredo. E infelizmente, a história que eu quero assistir ali é bloqueada, de novo e de novo, pela frustrante e enervante participação popular.

Por essas e outras que eu continuo gostando mil vezes mais de Amazing Race, e que realmente me apaixonei por Solitários, o reality que estreou no SBT esse ano. A verdade é que realitys com participação e voto popular me broxam. Sou totalmente a favor de observar pessoas comuns vivendo situações incomuns, mas infelizmente no BBB o público não sabe olhar sem meter a mão.

11.2.10

Pessoa Nefasta

EDIT: O post serviu a seu propósito, agora chega de baixaria. Pra não perder a viagem, uma ótima versão da música do Gilberto Gil que deu nome ao post

10.9.09

Esse é um aviso de curta duração e direcionado a todos os interessados. Se vocês estão aqui lendo isso, sabem quem são.

Sim, eu estou namorando com ela.

Aos que não fazem idéia de quem estou falando e/ou já foram notificados diretamente por mim, seu interesse no post será bastante pequeno, podem ir dormir ou vir me perguntar que porra é essa via MSN.

Aos que realmente a amam e só querem se certificar que eu não vou fazê-la sofrer, sem quererem ficar lendo sobre o assunto por autoflagelo ou coisa que valha: sim, eu a amo. E sim, meu objetivo na vida é fazer essa menina feliz. Obrigado, sincero, por reagirem como homens e não piorarem o lado dela, vcs sabem tanto quanto eu como isso a faz mal, e se tem uma única coisa que nos une, é a certeza de que ela já sofreu demais e não precisa de mais merda nessa vida. Estou fazendo minha parte, e agradeço de coração a vocês por estarem fazendo as suas. Qualquer um que a ama de verdade é meu amigo, independente da reciprocidade.

Aos que ainda estão aqui, por curiosidade mórbida ou por despeito, eu vou dizer isso uma única vez: não usurpei o direito de ninguém. Não furei nenhuma fila, porque não existe fila ou lista de merecimento para relacionamento. Existe amor e vontade de se entregar. Quando a vontade é mútua, como é nosso caso, funciona. Quando não é, não funciona. Assim como ela, eu também saí de um casamento que drenou toda e qualquer vontade de me envolver de novo com alguém. Quando eu a conheci, eu fui esperto o suficiente para notar que tinha muita gente emocionalmente investido nela, e não fiz qualquer esforço pra ser mais um. Por meses, tivemos uma amizade bem sincera e o amor que eu nutria por ela era o mais isento possível de carência ou necessidade de retribuição.

E eis que agora, sem qualquer intenção ou esforço para tal, nos apaixonamos. Eu por ela, ela por mim, ao mesmo tempo. Não existe um porquê. Não existe um segredo. Nem uma técnica ninja nem um feromônio nem qualquer porra do tipo, só aconteceu. E foi difícil pra nós também, porque - alou - nenhum dos dois queria isso. Mas essas coisas quando têm de ser, não respeitam a razão. Não respeitam hierarquia, não respeitam antiguidade, nada. Não respeitam nem as nossas próprias resoluções, que não eram menos verdadeiras porque mudaram. Só mudaram.

As coisas mudam.

Apesar disso, a única certeza que eu tenho nessa vida é a que eu já tinha quando eramos apenas amigos. Que eu quero vê-la feliz. E ela está feliz, comigo, apesar de isso não fazer sentido nem pra mim. Mas está. E no dia que deixar de estar, no dia que eu tiver a MENOR desconfiança que faço mais mal do que bem para ela, vou voltar a ser amigo dela antes do mais psicótico de vocês fazer menção de me olhar feio. Quanto a isso, não se preocupem. Não tenho a menor ilusão de que eu não vá ser filmado e avaliado por centenas de "irmãos mais velhos" que ela ganha a partir de hoje, mas minha autocrítica é muito mais severa do que qualquer crítica vinda de gente que nem me conhece, então caguei.

E por falar em fazer mal, se tem uma coisa que faz MUITO mal a ela, que a deixa se sentindo o pior ser humano da face da terra, que realmente acerta as feridas dela, é ficar choramingando ou cobrando explicações. O que aconteceu não se explica. Não se justifica. Não tem lógica, nem teria se tivesse sido com qualquer outra pessoa além de mim. Não é racional e nem tampouco invalida quem nós dois éramos antes disso. Tentar extrair uma justificativa só vai jogar a auto-estima dela no lixo, e me desculpem, entre ver minha mulher de cabeça erguida e se sentindo bem ou dando ombro pra desabafo de malandro e se sentindo a escória da humanidade, ela claramente prioriza a segunda opção, mas eu priorizo infinitamente mais a primeira. Ombro todo mundo tem. Ela só tem uma, e eu pretendo preservá-la.

E isso é muito mais apologias do que eu devo a qualquer ser humano pelas coisas que eu faço, mas estou sendo cavalheiro. Espero ser retribuído com igual cavalheirismo, não em meu nome, mas em nome de qualquer resquíscio de sentimento verdadeiro que vocês tenham por ela e que não esteja associado a uma ansiedade de ser retribuído.

Sinceramente,

Rafael
Rio de Janeiro, 10 de Setembro de 2009

15.6.09

É curioso olhar para trás e pensar em quanta coisa aconteceu no último ano. Há muito tempo já eu vinha tendo aquela sensação de que os anos passavam muito rápido, sem dúvida consequência de uma vida levada em função da espera. O tempo voa quando não se está indo a lugar nenhum. Os últimos 365 dias, no entanto, me pareceram mais longos do que os 1000 que os antecederam. Nem tudo o que aconteceu foi bom - pra falar a verdade, eu diria que foi bem equilibrado entre momentos bons e ruins, entre a glória e o fundo do poço. Assim é a vida nas CNTP, então nenhuma novidade. Mas sem dúvida, muita coisa aconteceu. Ou eu passei a perceber mais os acontecimentos ao meu redor, a me envolver mais, sei lá.

Penso muito sobre meus irmãos, que completam 3 anos de vida daqui a alguns dias. Quando eles nasceram, parecia que estavam crescendo em fast-forward. Mal eu havia piscado, já estavam fazendo 1 ano. Outra piscada, e faziam 2! Isso me deixava angustiado, por achar que estava perdendo a infância dos meninos, morando tão longe. E também me incomodava porque esses 2 anos deviam ter valido tão mais para eles do que para mim. Nas minhas mais antigas memórias, 2 anos de vida pareciam uma eternidade. Especialmente porque normalmente esse era o máximo de tempo que eu passava morando no mesmo lugar, estudando no mesmo colégio, com a mesma turma de amigos. Aprendi que em 2 anos se vivia uma vida, e eu vivi várias.

E no entanto, enquanto planejo uma escapada para ir vê-los agora no terceiro aniversário, fico feliz em perceber que a sensação mudou para "nossa, eles estão fazendo SÓ três anos!" E que o último aniversário deles parece que aconteceu há decadas.

Foram muitas micro-vidas nesses 12 meses. Muitos projetos, muitas realidades diferentes. Lugares novos, rostos novos, rostos antigos que eu nem havia percebido o quanto me faziam falta. Novas direções, novos tropeços, novos pontos de vista que modificaram completamente coisas que eu achava que conhecia muito bem. E se por alguns instantes eu tive receio de estar sendo leviano, sei que é natural da infância - qualquer infância - que os momentos sejam muito intensos e muito efêmeros. E eu aprendi a gostar deles assim. A suposta segurança que a estabilidade traz, aquela que eu almejei durante toda a minha história de mudanças e recomeços, tem um lado sombrio que atualmente não me interessa. Prefiro o demônio que eu conheço.

Muitas dessas revoluções estão acontecendo dentro da minha cabeça, e eu sei melhor do que deixar transparecer. Mas estão lá. E estão sendo devidamente registradas, mesmo as mais passageiras e as mais desagradáveis. Têm o gosto agridoce da familiaridade misturada com a novidade. E o alívio de não precisar mais ser o vencedor que conquistou seus demônios e suas limitações, físicas e químicas, e virou perfeito - um perfeito boçal. Chega de me preocupar em manobrar a vida em direção a um futuro que não sobreviveria ao escrutínio do tempo e da lógica de qualquer forma. A instabilidade não é tão ruim para quem se criou nela, e o carinho com que eu recordo os últimos 12 meses da minha vida me fazem pensar que a vida é melhor aproveitada de momento em momento, sem se preocupar com a continuidade.

Que venha o meu próximo neoaniversário. Tenho fome de viver.

Wind

16.2.09

Eu só queria dizer que é ok sentir desamparo de vez em quando. Foi assim que você aprendeu a resolver as coisas sozinho, não foi? Encarando os problemas maiores que você porque estava amparado e protegido das consequências de um fracasso, e construindo sua experiência. Natural sentir falta agora que se está encarando desafios maiores e a rede de segurança não dá mais conta de uma queda. Isso é evolução.

Queria dizer que o medo é um dispositivo de segurança e que saber a exata medida entre dar ouvidos a ele e ignorá-lo não é uma ciência simples, ou exata. Ninguém vai te julgar por cometer enganos, exceto as pessoas que julgam por esporte, mas essas são as verdadeiras fracassadas e jamais saberão o que é uma conquista porque se borram de medo de tentar.

E também dizer que não é nenhuma vergonha se sentir solitário numa multidão. A partir de um ponto da vida, cada um escolhe seu caminho e seu ritmo e isso separa, sim, as pessoas. Não é todo mundo que se aprofunda tanto na compreensão da própria alma - menos ainda na dos outros. Isso não faz de ninguém mais ou menos egoísta, mas certamente faz mais ou menos qualificados para fazer companhia ou contribuir edificantemente para seus questionamentos. Milhares de boas intenções podem não gerar uma única ação eficiente, e essa é a vida.

Mas acima de tudo, quero dizer que não é nenhuma fraqueza ou humilhação ter que estar escrevendo isso pra você mesmo. Se é o que você precisa ouvir, e tem que ser na terceira pessoa pra fazer efeito, então estamos apenas sendo pragmáticos. Porque é melhor tomar a iniciativa de resolver do que continuar lamentando as condições externas não-favoráveis, porque só a primeira atitude gera resultados.

E você é um solucionador de problemas. Um dos melhores que eu conheço. Orgulhe-se disso, sempre!

10.1.09

Se tem uma coisa que me frustra, é ser cada vez mais incapaz de assimilar e racionalizar minha própria vida. Era algo que eu fazia com relativa facilidade ao longo da adolescência (afinal, tinha bem menos vida para analisar, e vários aspectos dela ainda eram desconhecidos), e de fato me orgulhava das minhas autoanálises sempre tão acertadas. Acho que pessoas que não questionam e não avaliam as coisas deixam de subir no bonde da maturidade para vagar a pé e sem rumo pela vida. Mas tanta coisa aconteceu de lá para cá que o próprio volume de dados tem dificultado e ralentado o processo. E eu, como todo bom TDAH, abomino processos lentos.

Depois das grandes mudanças do ano passado, eu tive que botar para funcionar músculos analíticos que há muito estavam adormecidos ou funcionando no automático, terceirizados. Cheguei a alguns pontos importantes que, teoricamente, me revolucionaram o pensamento e me fizeram entrar num novo estágio de maturidade. Mas não raro eu me pego conjecturando se na verdade não involuí mais ainda, se não voltei a ser um adolescente despreparado dando murro em ponta de faca para aprender que corta.

Acho que é uma consequência natural do reaprendizado, ter que revisitar fases da construção do caráter que já havíamos superado. Algo como fazer um novo vestibular depois de formado. É sempre tudo tão diferente, e, ao mesmo tempo, tão estranhamente igual. Até a sensação de nostalgia e deslocamento está lá. E o desespero eventual de achar que já estive ali antes e que não estou de forma alguma andando para a frente.

É como o que acontece comigo quando eu passo algum tempo sem nadar. A maior dificuldade de retomar natação depois de um intervalo grande (festas de fim-de-ano, férias, etc.) não é a condição física ou a resistência. É a apnéia. Toda vez, é um esforço para convencer meu cérebro que meu pulmão tem oxigênio suficiente e que eu não estou morrendo e não preciso iniciar movimentos espasmódicos de sobrevivência. Não costumo levar mais do que duas ou três chegadas para bloquear o instinto, mas são momentos intensos em que a razão batalha com o inconsciente, e sempre enfrentando a real possibilidade de perder.

Alguns aspectos da minha vida atualmente são como uma longa submersão. E eu tenho plena consciência de que fui eu que escolhi dar o mergulho, movido por vários sentimentos, e dentre eles, obviamente, a necessidade de me testar e de vencer a desorientação e a falta de sentido que a depressão do ano passado me deixaram como aftertaste. Mas toda e qualquer segurança que eu demonstro vem unicamente da certeza que: 1) eu já fiquei submerso no turbilhão por mais tempo antes e sobrevivi; e 2) apesar do meu subconsciente não acreditar, existem benefícios a serem colhidos por viver mais essa provação.

Infelizmente, isso não impede o subconsciente de me fazer passar por um terror sobrepujante, e de me perguntar às vezes se isso tudo vai mesmo acabar bem, se eu não cometi algum erro monstruoso de cálculo que vai por tudo a perder. E as consequências de um erro a essa altura do campeonato seriam mais do que eu sou capaz de aguentar, porque por mais controladas que sejam as condições, o meio onde me desloco é potencialmente fatal.


Wind

31.12.08

Carta a 2009

Olá. Ainda não nos conhecemos, muito prazer. Sou o Rafael. Estaremos juntos pelos próximos 365 dias, e eu queria dizer umas coisas antes de começarmos.

Sei que você mal chegou. Em vários pontos do planeta, você ainda é futuro. Mas garanto que, ao menos por mim, você é muito aguardado, desde sempre. Não digo isso para comprar simpatia, mas unica e exclusivamente para dizer que seu antecessor, 2008, não vai deixar quaisquer saudades. De fato, talvez seja lembrado por décadas e décadas com certa amargura de minha parte, como um amigo que apunhala você pelas costas.

Antes de 2008 chegar, o ano de 2007 tinha sido um ano de construções. Um ano de muito trabalho, muita ralação, e de muitas conquistas. Um ano inteiro que dediquei a criar uma nova realidade, mais confortável, mais nobre, mais próxima do meu futuro ideal. 2008 foi muito aguardado, tanto quanto você é agora. Nos primeiros meses, tudo foi fantástico. Era um ano que tinha tudo para ser o primeiro do resto de minha vida, uma vida de realizações das promessas que 2007 me fez.

Mas hoje, olhando para trás, eu sei que 2008 não estava realmente me amando como eu o amava. Na verdade, hoje eu sei que 2008 me odiava irracionalmente e que tudo o que fez por mim foi uma farsa. O ano nunca quis me favorecer, e eu devia ter desconfiado quando começou a me dar porradas na cara do nada e depois fingir que nada havia acontecido. Mas eu não desconfiei. Eu confio muito nos anos, sabe? É essa mania de acreditar que eles são apenas um ciclo de translação ao redor do sol, apenas um conjunto de 365 dias (366 no caso de 2008) que não diferem em nada dos anteriores ou posteriores exceto por uma convenção social.

Mas o fato é que 2008 revelou sua cara muito cedo, e com um golpe quase mortal, destruiu tudo que 2007 havia construído. Não só 2007, como praticamente tudo que eu havia aprendido com 2003 em diante, e até algumas coisas mais antigas. Massacrados pelo ano traiçoeiro que não acreditava nos meus sonhos. Desse momento pra cá, eu e 2008 tivemos uma relação forçada, pois ocupávamos o mesmo lugar no universo, mas eu obviamente não queria nada com ele e nem ele queria nada comigo. Uma situação que me é inclusive familiar, e talvez por isso eu tenha conseguido juntar forças para esperar a partida dele. Mas não foi fácil. Nosso rompimento aguou todas as outras coisas que ele posteriormente me ofereceu, talvez por cinismo, talvez por pena. Chegamos a rir juntos em alguns momentos, mas eram risadas amarelas. Lá no fundo, eu simplesmente não queria mais ter nada a ver com 2008, nem ele comigo.

E é nesse pé em que você me encontra, jovem ano de 2009. Aliviado por ter sobrevivido a meu algoz, e ansioso, embora cauteloso, para saber como nos daremos.

Tomei o cuidado de não criar expectativas para você. Aceito-o como você chegar. Esse ano, não farei resoluções, nem planos, nem pedirei nada a Iemanjá, nem passarei com roupas coloridas. Não me iludo mais, vocês anos são melindrosos e têm idéias próprias do que farão conosco. Mas minha reticência não é de forma alguma uma predisposição negativa. Por mim, seremos muito amigos, os melhores da história, e teremos muita coisa boa para contar para nossos descendentes. Mas se não for tão bom assim, não ficarei triste. Sei que você não será pra sempre também, e estou ok com isso. Quando 2010 vier, me entenderei com ele, tenho certeza.

Se me permite pedir algo, uma única coisa, só peço que me trate com respeito. Sou paciente, tolerante, não sou mais criança (se tem algo que devo a 2008, foi um enorme amadurecimento), e tenho os pés no chão. Mas não sou invencível, e se você quiser me massacrar como 2008 fez, ou tentar ser pior, não sei como será. Só uma certeza eu tenho, que na sua despedida, no próximo Reveillon, estarei aqui ainda para acertar a conta e passar a régua.

O que acontece entre hoje e lá, fica por sua conta.

Não me decepcione!




Rafael

27.12.08

Enquanto escrevo esse post, estou sentado em uma confortável pedra em formato de sofá, no meio do pasto do sítio dos meus avós, lutando para enxergar algo no monitor apesar do sol ofuscante. Tentei escrevê-lo ontem à noite, mas infelizmente, a despeito dos avanços tecnológicos da última década, sinal de celular (e, consequentemente, internet móvel) aqui só existe do lado de fora da casa, e na curta trégua que a chuva deu ontem, um incidente com uma aranha armadeira que resolveu veriricar de onde vinha tanto brilho e pulou no meu monitor abortaram precocemente meu projeto de blogada. Pelo menos agora está seco e o brilho do monitor, que quase não é suficiente para furar o antireflexo, não vai atrair nenhum aracnídeo peçonhento curioso.

É justo questionar o que de tão importante eu teria para escrever que me fizesse enfrentar a natureza em busca de um resquíscio de modernidade, tão malvisto nestes recantos bucólicos do planeta. O que me motivou foi justamente o lugar. O sítio dos meus avós, Santana do Serrano, carinhosamente conhecido como Bauzinho pela família Savastano. Bauzinho porque ele tem uma vista privilegiada da Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí. Meus avós compraram esse lugar quando eu ainda tinha uns 6 anos de idade. Permutaram pela casa aonde meu pai e alguns dos tios nasceram, e aonde nós (eu e minhas irmãs, uma das quais recém-nascida) tínhamos brevemente residido antes de irmos para o Rio em 86. Desde que consigo me lembrar, o Baú tem sido palco das festas mais divertidas da família, e das viagens mais memoráveis. E sempre que eu piso aqui eu me pergunto por que diabos eu tenho vindo cada vez menos para cá.

Por um lado, tem a ver com o inevitável crescimento da família. Sou o neto mais velho e sempre tive uma exclusividade limitada de direitos na casa da minha avó. Também fui o responsável por desbravar vários caminhos não trilhados, o que evidentemente sempre facilitou a vida dos meus primos e irmãos mais novos. É uma troca justa, mais privilégios e mais responsabilidades. Mas hoje em dia quase todos os 24 (com mais um a caminho!) netos de D. Ângela são maiores de idade, vacinados, e com seus róprios planos para feriados prolongados. Por consequência, graças a uma política social velada, o sítio acabou sendo "herdado" pela segunda geração de netos. E o fato de nunca conseguir uma data que já não estivesse ocupada pelos jovens em questão me fez desencanar um pouco de vir para cá ou trazer amigos (até porque, conseguir agendar outra data importante como o Reveillon de 99 só para mim e para amigos meus provavelmente nunca acontecerá)

Mas por outro lado, não consigo deixar de sentir que parte da culpa é minha. Eu nunca encontrei um lugar para o sítio na minha autoproclamada "vida adulta." E aqui no meio do nada, com vento no rosto e ouvindo a algazarra dos pássaros, eu começo a desconfiar que o que eu fiz foi bloquear uma parte de mim que sempre pertenceu a esse lugar. Porque essa é a parte infantil que vê qualquer buraco no mato como um convite à exploração, um portal para uma aventura fantástica; que associa cada barulho a um ser folclórico ou mitológico, um fantasma ou um alienígena furtivo; que deita na grama para olhar as estrelas e sente que a qualquer momento a gravidade pode se inverter e eu posso cair no vazio imenso.

Tem muitos sonhos inacabados perdidos entre as árvores do quintal e entre as pedras do riozinho. Grandes sagas que eu levava comigo e que continuavam de onde tinham parado sempre que eu botava os pés aqui de novo. Grandes certezas, como a de que eu estava cada vez mais próximo de conseguir levitar ou virar um peixe e respirar embaixo d'água (só precisava ser um pouco mais velho). Grandes amores platônicos da infância e da adolescência que viravam fantasias românticas bestas que sempre - sempre - aconteciam aqui. Nenhum deles teve desfecho, porque ficaram aqui esperando meu retorno, e eu não voltei mais. Até continuei aparecendo, eventualmente, mas sempre como um estranho, como um convidado na minha própria casa.

Não sei por que diabos eu decidi, consciente ou inconscientemente, que não iria mais revisitar meus sonhos. Mas uma coisa é certa. Aquele Rafael pequeno e delirante era muito mais corajoso do que eu. Os espinhos na mão, ralados no joelho, carrapatos na virilha, eram todos parte da diversão. Eram as dificuldades que potencializavam a vitória. Cada vez que eu saía da estrada e inventava uma trilha, eu tinha certeza que ia ficar ardido e incomodado por semanas com as escoriações, mas o impulso era irresistível. Tão diferente do que eu sou hoje!

Para variar, eu não me permiti ficar aqui muito tempo. Mal cheguei e já vou embora. Podia ficar mais, podia voltar para passar o ano novo, mas não ia adiantar muita coisa. Saber da minha dificuldade de conexão com o Baú não ajuda em nada a superá-la, infelizmente. Mas ao menos eu posso tentar levar para casa, no mínimo, esse post. E meditar sobre a lembrança de uma época em que, ao invés de desistir antecipadamente de tudo que requira esforço ou que vá causar dor, eu pulava de cabeça só pela emoção de superar.

1.12.08

Dezembro não começou muito bem. Primeiro, porque a UERJ inventou de voltar da greve a essa altura do campeonato, pra fazer aquele intensivão de 3 semanas antes do recesso de fim-de-ano, efetivamente matando todos os meus planos de passear com minha prima Marcela, que eu não vejo há 11 anos e que chega do Chile no dia 07 para ficar lá em casa. Pensem numa revolta.

Além disso, como muitos podem ter deduzido pelo silêncio, eu não passei no exame de moto. Metade da responsabilidade é minha, talvez por ter deixado o imenso e inevitável intervalo entre a última aula prática e a prova diminuir minha atenção. Mas a outra metade é culpa da porra da autoescola, que mais uma vez me informou mal e me sacaneou muito, mas muito feio. Isso porque após um mês e meio parado, eu estava contando com a prática do dia que, segundo meu instrutor, aconteceria enquanto os alunos aguardavam a vez de ir para a fila do circuito. É claro que não teve. É claro que podia ter, tinha moto (mais de uma) disponível, tinha capacete, eu tinha a grana pra pagar, mas o instrutor que estava lá (não era o meu, pra piorar) fez um enorme esforço para me forçar a "ajudá-lo a me ajudar." Em nenhum momento ele disse nada nesse sentido, mas ele certamente fez bastante esforço para dificultar as coisas para mim, ao mesmo tempo que me olhava com cara de debochado. Nunca na minha vida tive tanta vontade de socar alguém!

Resultado: errei um dos cones logo de saída. Um erro inevitável pra quem passou tanto tempo sem treinar (coisa que aliás é efeito direto da sistemática do Detran, que exige as 15 aulas completas para poder marcar a prova, e sempre abre a marcação 45 dias antes dos exames), e que jamais aconteceria se eu tivesse dado uma mísera volta com a moto de treino antes de pegar o circuito oficial. Não comentei antes porque nem sei o que eu faço agora, minha vontade era desistir, mas eu inventei de fazer a inclusão de categoria junto com o vencimento da carteira, então enquanto eu não conseguir passar na porra da prova, nem carteira de motorista tenho mais. E isso me irrita mais ainda por saber que continuarei dependendo dos pela-sacos da autoescola, pelo menos por hora. Juro que quando isso terminar eu taco uma bomba naquela merda.

E eu que achava que corretores de imóveis eram escrotos.


Wind

15.11.08

10 anos

Antes de começar, aviso logo que esse texto será longo. São, afinal, 3653 dias sendo avaliados. 10 anos, exatos, que cheguei ao Rio de Janeiro definitivamente. 522 semanas como morador da Cidade Maravilhosa. Algumas mais difíceis que as outras. Nesse meio tempo, morei em 7 lugares diferentes (6 apartamentos e uma casa). Alguns tetos, dividi com amigos. Outros, com companheiras. Uns poucos, habitei sozinho. E, recentemente, tive minha irmã morando comigo por alguns meses. Agora, ela mora na Tijuca, mas continua sendo a única família que eu tenho na cidade. E ela veio para cá ano passado!

Quando aportei por aqui, em 15 de novembro de 1998, eu era um moleque. Nem 18 anos completos, recém-formado no ensino médio. Vim para fazer vestibular de jornalismo, mas nem fazia idéia do que seria uma carreira de jornalista, escolhi no uni-duni-tê. Aos pais, disse que vinha pela faculdade. A mim mesmo, secretamente admitia que vinha para ficar junto da minha então namorada carioca, que havia conhecido no início do ano num evento em Brasília (!). Mas a verdade que eu mesmo não admitia era que eu vim porque precisava ser dono da minha vida. Precisava de uma independência e uma liberdade instantâneas, que só a distância pode trazer. Amo minha família, minha mãe e irmãs com quem eu morava, mas eu estava ansioso por vida. Por uma vida minha, pelas minhas regras, meus valores, meu tempo. Minha mãe ainda acha que saí de casa muito cedo. Eu acho que saí na hora certa. Acho que fui bem criado e bem preparado para encarar a vida, e por isso mesmo, não queria desperdiçar um só minuto, queria viver intensamente e sem rede de segurança. E não existe cidade mais intensa do que o Rio de Janeiro.

E a vida, como era de se esperar, me deu umas belas porradas. Me botou de joelhos em um par de ocasiões. Mas a dor virou experiência, e a experiência virou força para contraatacar. A vida também me deu alguns presentes inestimáveis, alguns que eu talvez nem merecesse. E, desses presentes, uns tantos tomou de volta sem pedir licença. A vida, mais vezes do que não, foi completamente nonsense. Eventualmente, foi brilhante em suas reviravoltas. E tudo isso, em retrospecto, era exatamente o que eu esperava da vida. Que ela não me poupasse, que viesse com tudo, desse o seu melhor. E eu dei o meu.

Nesses 10 anos de Rio, alguns ciclos inteiros se iniciaram e terminaram. Entrei e saí (jubilado) de um curso profissionalizante de piano. Entrei e abandonei um curso de informática na UFRJ. Fiz e completei um curso de Desenvolvimento e Design de Jogos 3D na PUC, uma vocação que eu jamais imaginaria um dia ver concretizada. E estou a apenas 1 ano de me formar, finalmente, no curso de Informática da UERJ, que - se a greve não atrapalhar - terei cumprido no tempo mínimo. Também nesse período de tempo, deixei de ser sustentado pela pensão do meu pai, tive meu primeiro emprego - que foi uma bosta -, passei num concurso e atingi a total independência financeira. Ou mudei de provedor, porque saem os pais, entram os bancos. Com o importante detalhe de que os bancos cobram juros.

Mas, se é fato inegável que eu sei muito mais da vida hoje em dia do que sabia há 10 anos, também é inegável que eu não sei grandes coisas. Até cheguei a ter algumas certezas, até bem fortes, que usei para me nortear. Mas percebi que poucas certezas sobrevivem ao tempo.

Uma delas, no entanto, ainda não caiu por terra. A certeza de que existem, sim, belezas eternamente cativantes. Fazem 10 anos que vejo o Pão de Açúcar quase que diariamente. Há pelo menos 3 trabalho ao lado de um janelão com vista para toda a Baía da Guanabara, e da minha janela de casa vejo Santa Teresa sumir por trás das nuvens em dias chuvosos e reaparecer com o sol. E mesmo dormindo e acordando com a cidade, eu sempre me sinto cativado por sua beleza. Nunca enjoei, e acho que jamais enjoarei. Meus períodos de mágoa com o Rio de Janeiro são todos causados por sua política, sua violência, ou pelas características por vezes escrotas de seus moradores. Mas nunca pela cidade. A cidade sempre faz questão de me lembrar por que eu a escolhi como cenário da minha vida adulta. Sempre resgata aquele sentimento de pertencer, mesmo que às vezes eu me sinta tão deslocado aqui. Já não acho mais que sair do Rio seria a morte, mas nunca vou deixar de sentir que, dentre todos os lugares em que morei - e olha que morei em vários - esse era o ideal para se viver os 10 anos mais difíceis e mais prazeirosos da minha vida.

E que fique bem claro que não escolhi o Rio apenas pelas belezas naturais. Foi aqui que fiz os melhores amigos que tenho, é aqui aonde as pessoas mais interessantes do país e do mundo sempre dão uma passadinha. Fiz tantos amigos especiais aqui, que resolvi dar uma festa para eles. Todos eles. Mesmo os que já perderam contato. E, para minha surpresa, a lista de convidados ficou bem grande! Só vem a provar que foram 10 anos muito bem vividos, e o mais importante, bem compartilhados. E a todos que compartilharam esses anos comigo - mesmo que por 24h apenas - ficam meu sincero abraço, meu agradecimento, minhas saudades. E meu convite para aparecerem aqui em casa e jogar conversa fora sempre que quiserem =)

Quando comecei a escrever esse post, achava que ele tomaria a forma de uma retrospectiva, um "compacto" da minha vida adulta. Mas grande parte do que me aconteceu já está de qualquer forma registrado aqui no Blog, seria um esforço inútil relembrar tudo outra vez - o choque de ser expulso de casa, o drama para entrar na faculdade, a descoberta do TDAH, o concurso, meu noivado de 5 anos do início ao término... tudo isso já foi abordado em profundidade antes, e pra ser bem sincero, não é nada disso que define minha história aqui. O que importa é o que restou, dentro de mim. É quem eu me tornei. As dificuldades de hoje serão superadas amanhã, as de amanhã no dia seguinte, e por aí vai. A vida não dá moleza. Mas a vida também nunca me fez estagnar. Estou em constante movimento, sempre melhor, sempre mais sábio. As coisas que perdi, guardarei para sempre comigo na lembrança. Mas as que ganhei, essas eu guardo ao meu redor, ao meu alcance, e é com elas que eu me fortaleço.

Enfim. É estranho reviver uma década. Na preparação para a festa, fiz uma seleção de fotos e músicas de cada era, para mostrar no telão. É, literalmente, ver a vida passar diante de meus olhos. Pela primeira vez, estavam lá, em ordem cronológica, todos os pontos decisivos da minha vida. E pareceu, ao mesmo tempo, uma eternidade e um dia. Estou muito diferente hoje. 10 anos que me amadureceram 25. Mas, por outro lado, parece que foi ontem que cheguei aqui trazendo apenas a fome de viver, e nenhuma certeza. Hoje, vendo como a história se desenrolou, admito que existem capítulos tristes, que talvez tivessem me demovido da idéia de abraçar o mundo caso eu soubesse que seriam escritos. Mas os grandes momentos, as passagens sublimes, vencem de lavada. Posso ser ousado e afirmar que fui feliz. Por que não?

Agora me resta descobrir o que os próximos 10 anos me reservam. E eu mal posso esperar ;)


Obrigado por tudo, gente.

Wind

21.10.08

Mudar não é fácil. Não é a simples e imediata consequência da vontade. Mudar é um rito de passagem, como o nascimento ou a morte. Acontece de uma vez, mas é cercado de consequências e ecos que se propagam por algum tempo.

Mudar também é uma sensação esquisita. Especialmente quando significa abrir mão de coisas que sempre foram tão importantes, fazer concessões e abandonar metas impossíveis em favor das viáveis. Hoje me tornei viável, e isso é muito reconfortante, apesar de me sentir um pouco estranho. Preciso entender que não "amoleci," nem perdi nada de ultra valioso. Que certas posições radicais ou dão resultado cedo, ou nunca mais. E que se eu não alcancei alguns objetivos na vida ainda, é melhor desistir de tentar, sob pena de perder muito mais tempo caçando moinhos de vento.

É ruim também ter que escolher o que levar e o que deixar para trás, mas como não posso levar tudo, tenho que ao menos conseguir levar algo, ou vou ficar para sempre amarrado aos meus destroços, muito grandes para carregar comigo, e muito importantes para serem abandonados. Hoje foi um dia de escolhas, dessas que ninguém deveria ter que fazer. Mas eu fiz. E estou tentando muito me sentir feliz pelo que mantive, e não arrasado pelo que perdi.


Wind

14.10.08

Enquanto escrevia esse GIGANTESCO post, ele se tornou uma espécie de continuação do post do dia 6. Digamos que eu juntei minhas tranqueiras e já estou fazendo uma jangada ;)

A coisa mais estranha aconteceu nos últimos dias. Estranha não, até que era esperada. Mas foi intensa, e foi diferente de como eu imaginava que seria.

Como sempre acontece depois que a vida me dá uma porrada, eu me tranquei em um casulo para tentar reencontrar meu centro. Foi difícil, como sempre é. Passei por todos aqueles estágios horrorosos - raiva, depressão, negação, euforia - e não me orgulho de algumas coisas que fiz e nem falei, mas também não me envergonho. Não acho que muita gente no mundo reagiria melhor do que eu reagi, e grande parte das pessoas reagiria muito, muito pior.

Mas como qualquer casulo, o meu também serviu para me transformar em algo completamente diferente. Reavaliei os últimos anos da minha vida e cheguei a algumas conclusões óbvias, e outras surpreendentes. Ao menos para mim. Foram essas descobertas que me fizeram assumir algumas mudanças radicais de postura, e que estão me fazendo muito bem e me deixando muito feliz.

Não costumo fazer isso, mas vou falar diretamente do meu casamento, porque é a chave para a compreensão de tudo. Quando conheci a Jô, eu estava numa fase excelente da vida, tinha começado o tratamento de TDAH há 6 meses, emagrecido 14 quilos, passado em um concurso público federal que tinha UMA vaga... tudo naquela época era possível, as possibilidades eram ilimitadas. E o início da minha relação com ela não foi diferente. Tudo era correto, em níveis bem mais elevados do que os costumeiros para um relacionamento. Tudo parecia tranquilo de encarar, fácil de solucionar, e eu realmente acreditei que isso seria sempre assim. Claro, nunca me enganei, sei que as pessoas mudam com o tempo, e que relacionamentos longos dependem de mudanças razoavelmente sincronizadas e na mesma direção. Além de uma boa dose de esforço e tolerância, claro. Mas naquela época nós tínhamos tudo isso, de sobra.

Outra coisa que eu sabia muito bem era que em algum momento eu iria atingir meus limites de verdade, e que aí as coisas passariam a ser difíceis de novo, só o que mudaria seria a quantidade de coisas que eu podia conquistar antes de precisar de um descanso. E que nem todos os problemas da minha vida se resumiam ao TDAH.

O que eu não sabia na época, e foi uma constatação recente e amarga, era que simplesmente saber dessas coisas não me fazia automaticamente capaz de lidar com elas. Ou mesmo capaz de perceber quando elas estivessem acontecendo. Esses problemas praticamente me estapearam na cara nos últimos 3 anos, e eu não percebi. E quando percebi, não soube o que fazer. Fui lentamente sendo sufocado e afogado por eles, até que cheguei a um ponto inacreditável em que eu era quase uma sombra, isolado e acorrentado pelos meus próprios fantasmas.

Quando o casamento explodiu, em junho desse ano, eu não consegui acreditar. Demorou para assimilar, para entender o que tinha acontecido. Muito foi discutido sobre causas e consequências, mas a verdade mesmo é que eu estava cego. E nem mesmo ter lido o Ensaio Sobre a Cegueira, do Saramago, pouquíssimo tempo antes da hecatombe me deu o estalo. Foi necessário encarar merda atrás de merda para finalmente acordar para a verdade acachapante. E a verdade é muito simples:

Eu me recusei a crescer.

Do alto da minha arrogância de quem sempre foi um adolescente muito mais maduro do que o resto, eu simplesmente parei no tempo e continuei sendo um adolescente maduro quando deveria ter virado um homem. Meu casamento foi o triste retrato disso. O tempo todo, encarávamos ele como o mesmo projeto pensado por nós dois aos 22 anos de idade, no auge da paixão. Era brincar de casinha. A prova mais evidente disso era a forma como encarávamos a própria festa do casamento. Nunca marcamos data, nunca priorizamos, nunca realmente nos comprometemos a dar esse passo. E não houve um culpado, foi só a forma como nós fizemos. E eu só posso evidentemente avaliar o meu lado da responsabilidade aqui no blog.

Não sei sinceramente o que me ancorou tanto. Não sei se foi o fato da Jô estar chegando ao Rio e passando pelas mesmas coisas que eu passei quando vim pra cá, aos 17 anos, que me fez ficar preso numa reprise do início da minha juventude. Não sei se foi o fato de ter entrado tarde na faculdade e estar cercado sempre de gente 5 anos mais nova que eu, enquanto ao mesmo tempo trabalhava em um lugar cercado de gente pelo menos 10 anos mais velha. Aliás, esse foi meu grande erro, ter passado tanto tempo me sentindo um estagiário, um moleque, no meu próprio ambiente de trabalho. Ainda não consegui quantificar o prejuízo que esse comportamento me causou, mas foi devastador.

O fato é que essa separação dolorosa me jogou no fundo do poço, e por uns bons meses eu simplesmente tentei voltar aos meus 22 anos de idade, viver no passado mesmo. Só que eu não pertenço mais a esse mundo. Não posso me enganar que as menininhas de 19, 20 anos de hoje vão olhar uma foto minha fazendo pose no Orkut e me achar gato. Não posso me enganar que frequentar comunidades de videogame e bandas de rock vai me trazer qualquer interação social que não a de um tiozão maneiro. Só tenho 27 anos, claro, mas a verdade é que pessoas da minha idade não estão socializando mais na internet toda noite. Estão começando a constituir família, estão se focando no trabalho, em criar filhos pequenos... fazendo todas as coisas que eu por tanto tempo me esquivei de fazer. A grande movimentação de volta ao círculo social acontece lá pelos 40, então meu comportamento atual me deixa praticamente no limbo.

Essa constatação amarga me fez finalmente entender o que me deixou tão mal a ponto de ruir um casamento que tinha tudo para dar certo. Não foi minha incapacidade química, ou minha incapacidade social, ou física, nada. Foi minha incapacidade psicológica de abandonar os bons anos da minha vida e encarar a vida adulta de frente. De abandonar minha mentalidade de garoto e mudar meus conceitos, que por tanto tempo eu tive como minha "identidade." E sim, é muito estranho um aquariano resiliente a mudanças, mas esse sou eu. Resistente até o fim, mas sempre radical na transformação.

Foi só quando percebi que já se iam 10 meses fazendo natação regularmente, através dos meses mais intensamente massacrantes da minha vida até o momento, que eu tive a capacidade de abandonar essa "identidade" que eu mantive por teimosia e aceitar que eu sou outro. Outro corpo, outra cabeça, outra idade, outras fraquezas e outras forças. Chega de viver como se 2004 nunca tivesse acabado (e foi isso que eu fiz esse tempo todo).

Não estou obviamente dizendo que vou mudar meu círculo social ou meu comportamento para com as pessoas, eu sempre serei eu. Mas podem acreditar que, por dentro, está ocorrendo uma mudança muito grande. Deixei de achar que eu sou o que como, o que visto e o que faço. Eu sou o que sou, e eu não tenho vergonha de encarar o mundo de cara limpa. Essa mesma cara de bochechas já meio caídas, de olheiras fundas, de pele manchada. Nada disso me incomoda, porque o olhar e o sorriso permanecerão para sempre.

E a primeira mudança radical de postura vai ser em relação ao trabalho. Chega de me isolar aqui. De me comportar como se não pertencesse, de evitar formar laços porque a qualquer momento eu posso sair fora. É claro que posso, mas não estou me ajudando fazendo o tipo gênio-problemático. Não, vou parar de reagir explosivamente, vou falar o que tenho que falar olhando nos olhos e com voz firme. Vou, sim, me defender da política de escritório porque o problema é meu, e não do mundo que não presta. Vou assumir desafios, responsabilidades, e vou tomar as rédeas das coisas quando elas começarem a degringolar ao meu redor. Nunca mais vou ser vítima, e nunca mais vou aceitar as merdas que me servem de colherinha aqui como fatos inevitáveis. Ontem já botei isso em prática e juro que é tão eficiente que estou praticamente dando uma virada de mesa aqui hoje, e fazem só 24 horas que eu comecei!

Também já estou aplicando isso à vida pessoal. Estou controlando meus gastos na ponta do lápis, e quem me conhece sabe que eu NUNCA fiz isso, sempre julguei que eu era "incapaz." Mas não sou, só tenho dificuldade. Assim como tinha dificuldade de fazer exercícios e dieta, e no entanto estou aí fazendo e não tem ninguém me cobrando ou nenhuma recompensa para mim no final a não ser meu próprio bem. Decidi aplicar isso a finanças também. E embora seja triste ter a consciência de que eu simplesmente não tenho como comprar muitas coisas que preciso (ou mesmo terminar a obra do apartamento), estou muito orgulhoso de ter passado quase um mês inteiro sabendo exatamente quanto dinheiro eu tenho, quanto posso gastar, e quanto vai sobrar. Acreditem, é muito frustrante ter que pensar que ganhar na loteria é a única forma "possível" de equilibrar as contas. Não quero isso nunca mais.

E principalmente, estou me dando mais atenção MESMO, fazendo as coisas por mim, coisa que eu não fazia desde o curto período entre iniciar o tratamento de TDAH e conhecer a Jô. Chega de procurar alívio em contatos sociais fúteis com pessoas desconhecidas ou que não valham a pena. Nos primeiros meses depois da separação eu estava quase um junkie. E obviamente que, independente de quanta gente você conheça ou paquere, o vazio nunca some, e você pode até estar eufórico em um momento, mas deitar a cabeça no travesseiro quebra qualquer euforia. Uma vez, alguém me disse que os contatos sociais que valem a pena são os que você inicia sendo você mesmo, indo a lugares que você gosta e fazendo coisas que aprecia. Há pouco tempo, no auge da depressão, eu achava que ia demorar muito até eu estar novamente bem comigo mesmo o suficiente para atrair esse tipo de acaso. Mas agora acho que não vai demorar não. Eu só tenho que parar de insistir no caminho errado.

Claro que essas mudanças de postura não são assim instantâneas. Ainda estou passando pelo aftermatch do furacão que me atropelou, ainda estou sujeito a fraquezas e tristezas. Mas o que importa é que eu realmente acredito em tudo o que escrevi. Acredito porque faz sentido. Porque explica muita coisa, porque amarra pontas soltas, e porque eu não tirei isso da minha bunda, eu passei por muita coisa pra chegar a essas conclusões.

Então, se alguém aí ainda tá lendo, me deseje sorte! Estou içando a âncora rumo ao horizonte outra vez.


Wind

11.10.08

Acho que ainda não comentei no blog, mas em fevereiro desse ano voltei a fazer natação. Sempre soube que precisava fazer exercícios regularmente, porque mesmo em jejum completo eu só emagreço com atividades físicas, mas vários fatores me desanimavam. O principal sendo a quantidade de merda que dá quando eu faço exercícios de impacto. Se eu estou gordo, o atrito das coxas acaba comigo. Se estou magro, meu joelho fodido ou um treco que eu tenho nas ancas me machucam durante o treino. Então nunca consegui manter uma rotina de exercícios por mais do que 2 meses.

Não sei por que cacetes eu passei tanto tempo sem cogitar natação. Sempre fiz natação desde pequeno e sempre gostei, mas como natação infantil acaba sempre descambando para treino de competição, e como eu obviamente sou péssimo para competições esportivas, acho que peguei um ranço e deixei pra lá. Até que, no início desse ano, me deu essa idéia e eu fui atrás. Descobri que tem uma academia com piscina aqui do lado de casa, matriculei e comecei, assim de impulso.

E hoje, para minha surpresa, estou completando 10 meses de natação regular. Salvo dois meses - março e agosto - em que eu saí de férias e dei uma desaquecida, tenho conseguido ir nadar toda terça e quinta (e eventualmente sábado, quando não viro a noite na balada de sexta) às 7 da manhã, sem grandes dramas, mesmo durante a minha recente crise de depressão. E em nenhum momento meu corpo reclamou - pelo contrário, estou começando a entrar naquela fase em que o corpo pede o exercício. Se falto a uma aula de natação chego a perder o sono, ansioso para repor o prejuízo.

A perda de peso, como sempre, está ocorrendo muito lentamente (triste metabolismo esse meu, que pra perder 3 kg leva quase um ano de trabalho intenso e dedicado, mas pra engordar 3kg só precisa de uma semana de descontrole), mas os músculos estão tonificando agora bem mais do que na época em que eu puxava ferro, em 2003. E de forma mais consistente, porque natação não incha.

De dois meses pra cá, apesar de não ter ido em nenhum nutricionista (sou total paciente do Google Doctor, hahahahahha), comecei a fazer umas alterações pontuais nos meus hábitos alimentares e acho que os resultados estão sendo bons. Tentei não mudar muito porque toda mudança radical de dieta que eu tentei na vida, apesar de dar bons resultados, ficava insustentável depois de um tempo. Gosto muito de comida para viver restrito a um cardápio fixo, heheheheh. Mas estou, por exemplo, tomando um complexo nutricional (tipo Centrum) todo dia pra diminuir a necessidade de ficar balanceando cardápio diáriamente, até porque eu sou péssimo nisso, e o fato de comer em restaurante não ajuda. E acho que eu tinha mesmo alguma deficiência nutricional, porque desde que comecei a tomar o complexo eu tenho sentido menos fome.

Também estou tomando uma "bomba" termogênica depois de cada treino (pó de guaraná, xarope de guaraná e proteinato), e faz uma diferença incrível. E por fim, a crise financeira doméstica que eu estou atravessando me fez começar a comer bem menos no almoço e a cozinhar meu próprio jantar. A diferença dessas medidas para outras que eu tomei no passado é que essas parecem muito mais tranquilas de manter indefinidamente, ou seja, não estou encarando isso como uma dieta passageira para chegar a uma meta de peso. Posso facilmente viver o resto da vida assim e não vou sentir que estou perdendo nada.

E hoje bati meu recorde do ano na piscina. 2400 metros em 1 hora. Claro que é pouco pra quem nada há muito tempo, mas pra mim é um avanço palpável (demorei 2 meses pra consegui fazer 1600m no mesmo intervalo de tempo). E também senti hoje, pela primeira vez, que estou entrando naquela fase da prática de exercícios em que o esforço praticamente some e que a endorfina faz você se ultrapassar seus limites pelo prazer, e não pela superação. Agora já estou até começando a incluir a natação nos meus planos de férias, porque não quero ter que passar 2 semanas sem cair numa piscina nunca mais, hehehehehe.

Então é isso. Estou muito orgulhoso de mim mesmo, orgulhoso de estar mantendo esse hábito há tanto tempo, sem transformar em um projeto, sem fazer estardalhaço, só indo lá e nadando. E me sentindo bem.

8.10.08

Rápido update sobre meu projeto da scooter:

Hoje finalmente foi a última biometria (tive que ficar mais 2h enrolando em Ipanema esperando dar horário de aula) e embora ainda faltem 5 aulas práticas efetivamente, meu exame já está marcado pro dia 21. De Novembro. Era o mais cedo que tinha, mas pelo menos consegui não cair pra Dezembro.

Mas por outro lado, tanto faz. Desisti de comprar a Scooter por hora. Economia doméstica insustentável, falta de lugar pra estacionar e crise monetária internacional acabando com os preços de financiamento foram suficientes para fuder o barraco. Fail. Um dia quem sabe.

6.10.08

Uma vez, quando eu tinha coisa de 4 ou 5 anos de idade, meu pai me conta que uma vez cheguei contrariado do colégio e, quando ele me perguntou o que tinha acontecido, eu disse que queria sair da escola porque eu já sabia tudo. Claro que eu só estava tendo dificuldades em aceitar o ritmo mais lento de aprendizado do resto da sala, entendia as coisas logo de primeira e ficava entediado o resto da aula enquanto as professoras repetiam várias vezes a mesma coisa. Mas a minha sensação naquela época era sincera. De que eu já sabia tudo que existia para se saber e podia seguir com minha vida.

O que é o oposto do que eu sinto hoje em dia. Quanto mais o tempo passa, mais as coisas se desenrolam de forma inexplicável para  mim e mais eu percebo que não entendo de nada, nem do que eu tinha certeza entender. Mais e mais eu sinto que nada do que me falam, do que me ensinam, do que me afirmam, nada é correto. Mesmo as coisas que eu aprendo através da experiência, do método científico, se provam incorretas a longo prazo. E nesse ambiente volátil e imprevisível, eu estou sempre tomando na cabeça por fazer planos, projeções, e criar expectativas.

Antigamente, antes da Ritalina, eu era incapaz de responder a qualquer pessoa aonde eu pretendia estar em 5 anos. Ou em 1 ano que fosse. 6 meses! Eu respondia que não sabia nem se estaria vivo na semana seguinte. E era verdade - depois da infância itnerante que eu tive, era uma imensa dificuldade projetar qualquer coisa para o futuro. Tudo sempre mudava completamente em 2 anos no máximo.

Depois que tomei as rédeas da minha vida e depois de um período de adaptação, me certificando que nada mais mudaria drasticamente contra minha vontade, eu comecei a construir um futuro e realmente fazer planos e projeções para os anos vindouros. Me sentia seguro e amparado, e certo de que eu sabia o suficiente do funcionamento das coisas para ousar traçar uma rota e seguí-la até o fim.

E de repente, depois de tanto tempo, uma tempestade maluca vinda do além virou o barco, quase me afogou, e me jogou junto com os destroços para algum lugar desconhecido e de onde eu não sei como sair. A rota que eu seguia foi tão obliterada que eu não sei nem mais pra que lado estou apontando. Eu achei que sabia navegar. Fiz tudo direitinho, segui todas as regras, li todos os sinais. E agora sou só um náufrago esperando resgate, mas sem fazer idéia de pra onde devo ir - ou voltar.

29.9.08

Se existe uma razão para a nossa existência, se não somos apenas uma consequência do acaso, então a verdade é que acabei de decifrar minha vida. Ela é uma piada de mau gosto.

Algo como aquele português que ao ver a casca de banana na calçada à frente dá um suspiro e diz "ai, lá vou eu 'scoregaire na casca de banana outra vez!"

Esse sou eu. Dotado de uma capacidade fenomenal de percepção e incapaz de utilizá-la para evitar que eu passe pelas mesmas merdas de novo e de novo. Sempre me convencendo de que "ah, dessa vez é bobagem da minha cabeça." E nunca é. E eu sempre escorrego na porra da casca de banana e caio de mau jeito e quebro a bacia.

Espero que tenha alguém rindo, pelo menos terá valido a pena.